Retalhos da nossa história – CXXVI – Governador Miguel António da Silveira

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A 7 de Fevereiro de 1897 tomou posse o Ministério progressista de José Luciano de Castro. Este, acumulando a presidência com a pasta do Reino, teve de escolher os delegados do Governo nos principais organismos políticos e administrativos do País. Foi assim que, logo no dia 11, fez publicar um decreto nomeando os governadores civis dos distritos açorianos: Miguel António da Silveira para a Horta, Visconde das Mercês para Angra e José Maria Raposo do Amaral para Ponta Delgada.

Após a posse, o governador Miguel da Silveira saiu de Lisboa no dia 16 e cinco dias depois desembarcava no Faial. Para a generalidade da população esse domingo, 21 de Fevereiro, terá sido bastante festivo, já que foi “entusiástica a recepção que a capital do distrito” proporcionou ao novo chefe do distrito, a qual foi relatada, com o devido pormenor, pela imprensa da época. Assim, “nos escaleres da alfândega foram a bordo do paquete Peninsular numerosos amigos, seguidos pela filarmónica Praiense, conduzida no bote a vapor da Casa Bensaúde”. Entretanto, “no cais achava-se a filarmónica Artista que, ao chegar o digno chefe do distrito, executou o hino nacional, acompanhando o cortejo até ao canto do castelo de Santa Cruz, onde se incorporaram as filarmónicas União Musical e Praiense, que então havia desembarcado”. A tornar, aparentemente, ainda mais brilhante a recepção, “foi enorme a quantidade de foguetes que subiram ao ar, tanto durante o percurso de bordo do vapor para terra, como do cais ao Governo Civil, para onde seguiu sua ex.ª pouco depois de desembarcar, a fim de tomar posse do elevado e espinhoso cargo para que foi nomeado pelo Governo de Sua Majestade”(…) A concluir a descrição da simpática cerimónia ficavam os votos de que, “como sempre, estes povos tenham todos os motivos de se congratular com o novo chefe do distrito pela sua zelosa administração”. 

Estas manifestações de regozijo mascaravam, apenas, o conflito grave existente entre progressistas e regeneradores, que, malgrado os desejos publicamente expressos, seria potenciado pelas prepotências, pelas ilegalidades praticadas e mandadas praticar e por uma ambição sem limites que foram a marca da administração polémica e violenta do governador Miguel da Silveira. 

Logo nos dias imediatos à posse – e querendo manter o distrito sob apertada tutela -demitiu a Mesa da Santa Casa da Misericórdia, nomeou familiares para a Administração do Concelho da Horta e de São Roque do Pico, procedeu à mudança de muitos regedores nas freguesias das quatro ilhas e pressionou fortemente a Câmara Municipal de maioria regeneradora presidida pelo Barão de Roches marcando presença, sem ser convidado, na sessão de 25 de Fevereiro, mostrando, assim, que “colocado à frente da suprema direcção do distrito” se achava animado dos melhores desejos de que todos os negócios públicos deles dependentes corressem de “tal arte que fizessem a felicidade dos povos deste concelho” . 

No lugar dessa ambicionada felicidade veio uma “invernia política e insolente, encarnada num D. Quixote que, de galopim sem letras, se guindou a deputado da nação” e agora, como governador “é uma ameaça à liberdade individual, à liberdade de trânsito, ao exercício das funções legítimas dos corpos administrativos e estabelecimentos de crédito que violentamente perturba e invade e fere com o mais cínico despotismo”. 

O governador Miguel da Silveira era já então – e desde que em 1895 falecera o respeitado Conselheiro Medeiros – o líder distrital dos progressistas, pelo que as suas atitudes autoritárias, mesmo ditatoriais, se tinham em vista desmotivar os seus adversários partidários para as eleições marcadas para Maio desse ano, acabaram por transvasar da luta política e abrangeram todas as demais actividades dos povos do distrito. Ele tudo punha e dispunha, fosse na organização dos processos eleitorais ou na importação e exportação de cereais, fosse em negociatas de emigração clandestina ou de isenções de serviço militar. 

Protegido de José Luciano de Castro, Miguel da Silveira iniciara a sua carreira política em 1879 como administrador do concelho da Madalena do Pico, sendo mais tarde, na década de 1880, por várias vezes, procurador à Junta Geral e vogal da Comissão Distrital. Exerceu também o cargo de provedor da Santa Casa da Misericórdia da Horta. Como deputado estreou-se em 1887, sendo reeleito em 1889, 1894, 1904 e 1905, sempre pelo círculo plurinominal da Horta. Os seus poucos trabalhos parlamentares reduziram-se à ocasional representação dos interesses do seu círculo eleitoral.   Poucos meses após a posse, a sua actuação como governador civil já concitava, da parte dos seus opositores e também de destacados membros do partido progressista que o foram abandonando, as mais duras críticas. Com a compreensível excepção do semanário O Atlântico – órgão oficial do partido progressista – a imprensa da época não se cansou de denunciar, quase sempre de forma clara e violenta, com factos e argumentos incontroversos, a sua deletéria e nefasta “gerência” que se pautou por “violências, trapaças, embustes e ganância choruda, amparada nos esteios da força oficial”. Tudo isto acontecia – escrevia o semanário da oposição regeneradora – porque “tendo o senhor governador civil interrompido a sua agência de compra de chitas e algodões, só nos tem dado o entretenimento de venda e compra de consciências e a veniaga de instrumentos repelentes”, estando “em vigor a trapaça oficial”. O chefe do distrito, festejado à chegada e exautorado uns meses depois, entregava-se aos “negócios escuros e ao tráfico dos milhos, por conta dele exportados livres de direitos”. Em lugar de uma séria e isenta administração pública, Miguel da Silveira apresentava, segundo os seus detractores, “apenas uma eleição feita com cacetes, espadas, revólveres, detenções às dúzias, prisões todas as semanas, violências e burlas pelos agentes de obras públicas, emigração à larga, acompanhada da comédia duns autos em que se malhou um para coonestar a saída de uns centos, e promessas de isenções seguidas logo do apuramento cerrado dos recrutas, pela firmeza da inspecção militar” . 

Os dois anos incompletos em que Miguel da Silveira esteve oficialmente à frente dos destinos do distrito da Horta foram, bastas vezes, um autêntico desvario, sendo paradigmático o episódio trágico-cómico da eleição da Câmara da Horta em 1898, presidida pelo Barão de Roches e as peripécias arruaceiras lideradas pelo governador tentando impedir, em Janeiro de 1899, que ela tomasse posse. Os escândalos atingiram tais proporções que o Gabinete de José Luciano de Castro se viu coagido a colocar em afastar o governador, colocando em funções o substituto José Nestor Ferreira Madruga que as exerceu durante largos meses, até à chegada do novo titular, Diogo de Barcelos Machado Bettencourt. 

Exonerado do cargo de governador civil em 20 de Julho de 1899, por um governo do seu partido o que era caso inédito, Miguel da Silveira conseguiu, no dizer de um seu amigo, fazer uma carreira política fulgurante, “mercê da agudeza da sua inteligência, dos dotes de dinamismo da sua hercúlea compleição”. 

Nasceu em 12 de Maio de 1852 na vila da Madalena da ilha do Pico e falecido no Faial a 2 de Março de 1906, com 54 anos de idade, está perpetuado na toponímia da Horta e da Madalena, em duas artérias que ostentam a designação de Rua do Conselheiro Miguel da Silveira, por deliberações tomadas, curiosamente, pelas respectivas Câmaras Municipais no mês de Janeiro de 1905.

Personalidade controversa, provavelmente injustiçada, houve quem dele dissesse que “pela força da vontade conquistara fortuna, predomínio, honrarias – tudo o que pretendera, tudo o que ambicionara; mas essa força era impotente para debelar a doença que o minava, para segurar a vida que lhe fugia”. E, nesse findar de vida, pôde constatar, ele que “serviu muitos apaniguados, que poucos lhe foram fiéis, nas ocasiões graves; raros lhe ficaram gratos”. 

 

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