Retalhos da nossa história – CXXVII – Governador Diogo de Barcelos Machado Bettencourt

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Nomeado governador civil efectivo do distrito da Horta por decreto de 20 de Julho de 1899, o bacharel Diogo de Barcelos Machado Bettencourt prestou juramento no Ministério do Interior no dia 10 de Agosto , mas só chegou ao Faial dois meses depois, precisamente a 12 de Outubro. Esta demora foi causada pela epidemia de peste bubónica da cidade do Porto do Verão de 1899 e consequentes medidas sanitárias que dificultaram imenso as comunicações marítimas da Metrópe com os portos açorianos. No caso da Horta sucederam-se os alvarás assinados pelo governador substituto, José Nestor Ferreira Madruga, a determinar providências proibitivas de contactos com os navios vindos directamente do Continente e também eram constantes as determinações que, em conjunto com a Junta de Saúde Distrital, tomava para evitar que os povos do distrito sofressem o contágio do terrível flagelo. Além do enorme desconforto e das dificuldades que aquela doença provocou nas pessoas, os negociantes sofreram prejuízos incalculáveis. 
Perante esta situação explosiva, o novo governador só conseguiu chegar à sede do distrito no vapor Funchal a 12 de Outubro de 1899. O substituto esteve, portanto, em funções vários meses, desde que nos começos daquele ano assumira o cargo em virtude do titular, Miguel António da Silveira, ter sido forçado a cessar funções pelo directório nacional do partido progressista.
 Facto é que, a partir de 13 de Outubro de 1899, o Dr. Diogo de Barcelos Machado Bettencourt assumiu plenamente as funções de governador civil da Horta . Era também membro do partido progressista e, tendo sido enviado com o objectivo de serenar a constante agitação social, logo “tratou de contentar gregos e troianos”, nomeadamente, “em relação à polémica da peste e das medidas sanitárias” , ordenando, na semana seguinte à assunção de funções, que o guarda-mor de saúde “desse livre prática a todas as procedências do Continente, excepto do Porto” . Ao permitir que as embarcações vindas do Continente – menos as provenientes da capital nortenha – ficassem livres da quarentena a que então estavam sujeitas, o governador procurava dar resposta aos comerciantes que acumulavam prejuízos com o porto fechado à navegação, enquanto tentava sossegar a maioria da população que vivia amedrontada com os perigos das contaminações. Pela leitura da imprensa local da época, constata-se que o chefe do distrito não terá conseguido resolver este grave problema, já que as notícias das mortes provocadas pela epidemia eram frequentes. 
 A esta calamidade juntar-se-ia o devastador ciclone de 17 de Outubro de 1899, ao passo que o clima político continuava em plena ebulição, com os progressistas debilitados após a demissão do seu líder Miguel da Silveira do cargo de governador e a procurarem refazer as suas hostes para enfrentarem nas eleições que se avizinhavam os regeneradores agora bem mais fortalecidos com a presidência do Dr. António Emílio Severim de Avelar. E o mais curioso foi que, no acto eleitoral realizado em 26 de Novembro de 1899 e de que a nível nacional saiu vencedor o partido progressista, nos dois círculos que então constituíam o distrito da Horta os regeneradores do Médico Avelar foram os vencedores incontestados, apesar do chefe do distrito usar da  discutível faculdade legal de alterar para começos de 1900 a data desse sufrágio. 
Foi um escândalo que se juntou a outro que o Dr. Diogo de Barcelos patrocinou e que teve a ver com a transferência das instalações do Liceu Nacional da Horta. Funcionava este desde 1882 numa grande casa situada no Largo do Bispo D. Alexandre e de que era proprietário o Dr. Severim de Avelar, por sinal antigo reitor do mesmo, médico- cirurgião e, o que é mais significativo, líder dos regeneradores distritais. O que aconteceu em finais de Dezembro de 1899 só pode atribuir-se a pura luta política em que o governador progressista – certamente instigado pelos seus correligionários locais – ordenou que aquele estabelecimento de ensino, já em aulas desde Outubro, se transferisse para uma casa na Rua Nova das Angústias, no extremo sul da cidade. O diário local criticou duramente essa decisão, até porque “a casa não tinha o mínimo de condições para a instalação de um instituto daquele género”, sem salas em número suficiente para aulas, secretaria e biblioteca e situar-se no Porto Pim, tendo os alunos de atravessar o cais e “a linha férrea por onde constantemente passam as locomotivas, conduzindo material para as obras da doca, o que levará a desastres”. Com um premonitório aviso – ainda hoje actual para idênticas circunstâncias – o jornal rematava com o apelo para que “estejam os faialenses alerta, não seja isto preparativo para obrigar a mocidade estudiosa a ir frequentar outro liceu; por exemplo, o liceu de Angra e depois … e depois … vir a sujeição a outro distrito” . Este processo foi tão vergonhoso e tão mal conduzido que não haviam decorrido duas semanas e já era notícia o facto de se estar “novamente mudando o Liceu Nacional para … a casa donde saiu no fim do mês último no Largo do Bispo D. Alexandre. Todas estas peripécias com a mudança do primeiro instituto de instrução do distrito, seriam caso para rir, se não fossem motivo para chorar” . Foi lá que o Liceu da Horta se manteve até ao terramoto de 31 de Agosto de 1926, sendo então instalado no Palacete do Barão da Ribeirinha. Mas, para o que agora interessa, aquele acto precipitado e de mera mesquinhice político-partidária tem de atribuir-se ao governador do distrito Diogo de Barcelos, certamente apoiado pelos seus companheiros progressistas.
As medidas tomadas a propósito da peste bubónica, a frustrada mudança do Liceu e a humilhante derrota de 28 de Janeiro de 1900 nas eleições para deputados sofrida pelo partido progressista no distrito da Horta – apesar da vitória que alcançaram a nível nacional e que fora antecipadamente acordada com os regeneradores – não abonam a governação de Diogo de Barcelos, embora possam ser ainda consequência das prepotências da discutida liderança de Miguel da Silveira.  
A reorganização daquele partido no distrito da Horta era, portanto, uma das principais tarefas de que fora incumbido aquele governador pelo presidente do Ministério José Luciano de Castro. A avaliar pelo período de tempo decorrido desde a sua chegada até à eleição do directório distrital dos progressistas, a tarefa terá sido difícil. É isso que se deduz da notícia que, a esse propósito, escreve o jornal O Telégrafo, na sua edição de 29 de Março de 1900:
“Reuniu hoje pelas 12 horas do dia, numa das salas do Governo Civil, o partido progressista local, a fim de se resolver sobre a escolha do pessoal para a formação de um directório do partido. Presidiu o sr. governador civil, sendo escolhidos para formar esse directório os srs. conselheiro Miguel António da Silveira, Francisco Leal de Brito, padre João Goulart Cardoso, Manuel da Silva Greaves, padre José Ferreira da Silva, padre José da Rosa Terra, José Garcia Duarte, dr. Edwiges Goulart Prieto e padre Manuel Moniz Madruga. Dizem-nos que compareceram à reunião aproximadamente umas 50 pessoas”.
Não demoraria muito tempo até que os progressistas tivessem de ceder o poder aos regeneradores que, chefiados pelo açoriano Hintze Ribeiro, formaram Governo no dia 25 de Junho de 1900. Sobraçando igualmente a pasta do Reino, logo o presidente do Ministério promoveu a mudança dos governadores civis, tendo o do distrito da Horta pedido a demissão – que naturalmente foi aceite – no dia 26 de Junho.
Magistrado nascido em Angra do Heroísmo a 8 de Agosto de 1847, Diogo de Barcelos Machado Bettencourt era filho de Francisco de Paula de Barcelos Machado Bettencourt (fidalgo cavaleiro da Casa Real e comendador da Ordem de Cristo) e de Maria Isabel Borges do Canto e Teive de Gusmão. Formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, com o grau de bacharel, exerceu a magistratura em diversas comarcas açorianas (Graciosa e Pico), em Braga e no Funchal. Governador civil do distrito da Horta, o seu mandato teve a curta duração de cerca de oito meses. Casou em Santa Cruz da Graciosa, em 23 de Novembro de 1871, com Mariana Joaquina Trindade Ribeiro de Bettencourt e tiveram 18 filhos. 
Faleceu na cidade de Angra a 16 de Outubro de 1922 .
 

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