Revisitando o Dollabarat

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Simpaticamente, a Autoridade Marítima, através do Comandante João Gonçalves, convidou-me para integrar a missão anual de manutenção do farol dos ilhéus das Formigas. Depois de conversado, chegou-se à rápida conclusão que nessa missão se poderia também efetuar a monitorização superficial dos ambientes subaquáticos. Melhor dito, melhor feito!

Foi desta forma que me vi novamente emerso pelas águas do Recife Dollabarat. Este recife está localizado a três milhas a sudeste das Formigas e constitui uma enorme ameaça à navegação. Até que o navegador basco o Pierre Dollabarat o assinalou, não se sabe quantas embarcações terão tido o infortúnio de um encontro letal. Os três metros de profundidade do recife apontam para nomes como os dos irmãos Miguel e Gaspar Corte-Real, navegadores portugueses quinhentistas misteriosamente desaparecidos…

Hoje, o Recife Dollabarat está bem assinalado no mapa e apenas manifesta inconsciência levará um navegador até estas paragens. Em contraste, no caso dos mergulhadores, apenas manifesta inconsciência os poderá afastar deste local fantástico! Desde os anos 80 que o Recife Dollabarat faz parte de uma enorme Reserva Natural que inclui também os ilhéus das Formigas. Depois de anos de incumprimento, esta Reserva Natural é hoje em dia razoavelmente respeitada. Contribuem para isso a intensificação da fiscalização, com natural relevância para o papel da Marinha, e as novas utilidades. De facto, diariamente, ou melhor, sempre que as condições meteorológicas o permitem, empresas marítimo-turísticas de Santa Maria e de São Miguel ocupam aquele espaço dando-lhe um interessante valor acrescentado.

Há uns anos atrás, não se tem ainda a certeza da razão, a cobertura algal do Dollabarat mudou. Passou de um tapete esplendoroso e esvoaçante de enormes Cystoseira para umas algas filamentosas verdes e desinteressantes. Há quem avance explicações relacionadas com o intensificar das alterações climáticas globais e há quem defenda que resulta de uma captura excessiva dos predadores de ouriços (como é o caso do peixe-cão). Seja qual for a razão, o ambiente do Dollabarat mudou. Curiosamente, isso parece não ter afetado a produtividade, mas alterou o esplendor. Até quando?

Foi neste contexto que submergi. Algumas questões assolavam a minha mente e era importante encontrar respostas. Primeiro, será que iria encontrar aparelhos de pesca que comprovassem a continuação da prevaricação? Será que as espécies que observaria seriam indicativas de um ambiente não explorado? Será que veria indícios da recuperação da anomalia algal? E, finalmente, mas também muito importante… será que iria ver jamantas e tubarões?

Tantas perguntas… Ainda pairando a meio da coluna de água, verifiquei que não havia qualquer alga Cystoseira digna desse nome. Quando cheguei ao fundo, debrucei-me sobre um dos vales, típicos da fisiografia do Dollabarat e lá estava uma chumbada utilizada na pesca artesanal de garoupas. Começava mal. Depois, olhei em redor e comecei a contar um, dois meros, uma abrótea, várias garoupas, diversas espécies de moreias e um peixe-cão macho e outro fêmea. Um dos companheiros de mergulho, pertencente à equipa de mergulho forense da Marinha, apontou-me um cavaco! Estas eram boas notícias! As espécies mais exploradas nos Açores estavam de volta e em força ao Dollabarat. Excelente. 

Até ao final do mergulho não vi outro aparelho de pesca. Ao contrário dos últimos mergulhos que tinha feito naquele local, já lá vão diversos anos, não vi restos de redes de pesca, cofres, canas de armadilhas, sedas… Nada. Apenas aquele resto de aparelho de pesca para as garoupas. Apesar de ainda não ter sido um mergulho com indícios de prevaricação zero, estamos agora mais perto.

Não vi tubarões ou jamantas. Em compensação, vi um cardume de pequenos atuns, duas raias enormes e, no final do mergulho, quando já estávamos a bordo, um grupo de curiosos golfinhos. Mais uma vez, foi um excelente mergulho e num dos mais fascinantes e selvagens locais do mundo. Um local a preservar com tenacidade!

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