Se não fosse o Onésimo…

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De que falamos nós quando falamos de Onésimo Teotónio Almeida? 

Falamos de fogo de rajada, porque Onésimo é uma outra forma de dizer desassossego criativo… 

Pensador livre e frontal, fino observador do real que se lhe oferece em palco, embarcadiço e homem de todos os lugares (“homo errabundus”), mestre da dialética e da ironia, interlocutor precioso e minucioso, conversador inveterado, autor reflexivo e realista, impenitente grafómano em permanente diálogo com o seu tempo, Onésimo é homem pragmático e tem o vírus da escrita e o ouvido afinado pela oralidade.

Atento ao risível das coisas, este professor catedrático, filósofo (aristotélico), ensaísta, cronista e estudioso prossegue uma reflexão cultural e uma teorização estética, dotado que é de um pensamento profundo e acutilante, autor que olha o mundo com uma imensa curiosidade e apetite – o que faz dele um compulsivo contador de histórias. Por isso digo:

Se não fosse o Onésimo…

… os Estudos Portugueses e Brasileiros nas universidades americanas não teriam a dinâmica que têm hoje.

… a expressão L(USA)LÂNDIA não teria sido criada.

… o Atlântico não seria um rio entre a Europa e a América.

…a questão da literatura açoriana não teria ainda sido resolvida.

…não existiria a Gávea-Brown e José Martins Garcia nunca teria escrito esse admirável livro de poesia que dá pelo título de Temporal.

…Eduardo Lourenço e Eugénio Lisboa teriam menos conhecimentos sobre os Açores.

…desconheceríamos aspetos ligados às vidas e obras de Jorge de Sena, José Rodrigues Miguéis e Eduíno de Jesus.

… não teríamos as traduções para inglês de Pedras Negras, de Dias de Melo, Mau Tempo no Canal, de Vitorino Nemésio,  e A Viagem Possível, de Emanuel Félix. Consequentemente Gregory McNab, Francisco Cota Fagundes e John M. Kinsella teriam sentido menos dores de cabeça, mas os seus currículos ficariam incomparavelmente mais pobres.

… não saberíamos o que são “prosemas”.

… saberíamos menos anedotas.

… as crónicas não seriam “ensaios em mangas de camisa”.

Vem tudo isto a propósito do último livro deste autor, Quando os bobos uivam (Clube do Autor, 2013), trocadilho ao título do romance Quando os lobos uivam, de Aquilino Ribeiro, publicado em 1958.

 A obra reúne quatro estórias que poderiam ser outros tantos guiões cinematográficos – são narrativas muito visuais, apresentadas em forma de um (quase) diário. 

“Story teller”, Onésimo gosta de contar histórias com princípio, meio e fim, escrevendo-as com engenho e arte. E isto num tempo em que os mandarins da lusa literatura querem-nos fazer crer que isto de cronicar e escrever “short stories” é coisa de somenos importância. Já se sabe: o que hoje está a dar é uma literatura da desconstrução, do indizível, da não-história eivada de coisas vagas, difusas e indefinidas, segundo o modelo de António Lobo Antunes, que, nesta matéria, vai fazendo escola junto de uma nova geração de plumitivos que ostentam flores hermenêuticas e brincos semióticos…

Quando os bobos uivam é a prova provada de que é completamente falso esse mito que se instalou na cabeça de muitas e desvairadas gentes e que assim reza: quem escreve difícil é que é profundo. Nada de mais errado.

No livro em apreço, Onésimo, que para cada narrativa se disfarça na pele de outros (e assim baralha deliberadamente os dados), abriu a sua caixa de Pandora e de lá retirou uma série de histórias pessoais que são, afinal, a sua melhor fonte para a ficção. Aliás, ele tem feito da experiência da sua vida vivida uma experiência de arte: “A arte, muitas vezes, não vai além de uma pálida imagem do que a vida é capaz de inventar”, escreve na página 198, o que diz muito da exegese onesiminiana.

Pouco dado a simplificações e a verdades absolutas, Onésimo, que há quatro décadas vive em terras americanas, lança, neste livro, olhares lúcidos e desassombrados sobre a experiencia da diáspora, a identidade e a assimilação de duas culturas diferentes. E isto sem nunca perder de vista o leitor, com quem vai dialogando. De forma omnisciente e autodiegética.

Aqui se cruzam histórias, citações, memórias, peripécias, revisitações, referências, acontecimentos e mundividências – em histórias bem urdidas e carpinteiradas que se leem com infinito prazer. (Embora me custe, não ouso levantar, nesta recensão, nenhum fio da meada, já que o meu propósito é o de aguçar a curiosidade do leitor).

Um outro aspeto caracteriza este açoriano do mundo: “a suprema disponibilidade para servir os outros” (pág. 87). 

Como todos os escritores, Onésimo escreve para lutar contra o esquecimento. E este é um livro imperdível, rico de espessura evocativa e escrito com os olhos da memória.

 

 

 

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