Sobre o afundamento de barcos

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A coincidência de se estar a proceder a um conjunto de afundamentos de barcos ao largo de Portimão e de haver uma velha draga disponível para tal na Ilha de São Miguel tem movido alguns desejos de mergulhadores no sentido de fazer um depósito ao largo de Ponta Delgada. Em maior detalhe, a ideia, tal como tem sido partilhada nas redes sociais, é proceder ao afundamento da draga perto do “Dori”, aproveitando assim o espaço do Parque Arqueológico que o Governo Regional acabou de criar em frente à Praia do Pópulo.

Tenho que confessar que não sou grande adepto destes afundamentos. Apesar de apaixonado pelos naufrágios e mergulho em embarcações naufragadas, não sinto grande estímulo para mergulhar em barcos que tenham sido propositadamente afundados. No Faial temos dois casos de navios propositadamente afundados e que pouco tentam os muito mergulhadores que visitam esta ilha.

O pesqueiro “Viana”, que se incendiou e revirou no Porto da Horta, foi afundado ao largo da Feteira. Por um lamentável erro de procedimento, ficou virado ao contrário e está demasiado fundo para os mergulhos habituais (assenta aos 46 metros e a quilha está aos 30). Já o “Pontão 16” está num fundo de areia, mas, dizem os críticos, é demasiado pequeno. A minha teoria para o insucesso destes casos é um pouco diferente; Na minha opinião, os mergulhadores procuram naufrágios legítimos, como é o caso do alegado “Hidroavião” ao largo do Porto da Horta ou o navio sem nome que está na Baía dos Radares (Monte da Guia). Um naufrágio tem de ter uma história, como é o caso do “Lidador”, ou ser um importante local histórico, como acontece com o Cemitério das Âncoras, ambos na Baía de Angra e onde integram o Parque Arqueológico local.

Um dos argumentos mais fortes a favor do afundamento de antigos navios é o seu papel como suporte de vida. Entendo isso e já verifiquei como podem realmente proporcionar locais de agregação de animais. Mas… as lixeiras também têm inúmeros ratos e gaivotas… Talvez a minha linguagem esteja a ser demasiado forte, mas é um facto que um navio afundado está a promover o aparecimento de fauna e flora que não pertence naturalmente àquela paisagem. Que são animais bonitos, são! Mas é desconexo.

Um bom amigo disse-me que o mar costeiro de São Miguel está tão explorado que não será um navio afundado a fazer grande diferença. Talvez, mas, respondo eu, não devemos nivelar por baixo, mas exigir essa recuperação, se justificável. Aliás, contrariando esta visão, muito portuguesa “que está tudo uma desgraça…”, relembro que ainda esta semana um prestigiado sítio internet de viagens anunciava os Açores como um dos melhores sítios do mundo para a prática de mergulho com escafandro autónomo. Não há volta a dar, os Açores são um excelente local e com um mar sublime. Pode ser melhor? Podemos sempre melhorar.

Outro dos argumentos utilizados para o afundamento de navios, e que me agrada, é o potencial para cativar mergulhadores. De facto, por agregarem muitos animais, os barcos afundados servem de local privilegiado para mergulho com escafandro autónomo.

Ainda, um dos argumentos a favor, são os trabalhos científicos que se podem fazer em associação com os barcos afundados. Por serem novos substratos, apesar de artificiais, podem servir para estudar a sucessão ecológica em cada local. Principalmente se tiver boa ciência por trás, estes locais podem ser reais mais-valias.

Nos Açores há inúmeros naufrágios legítimos e magníficos locais de mergulho. Entre os que ainda não têm carácter de proteção legal, destacam-se o “Slovonia”, nas Flores, e o “Caroline”, no Pico. Estes locais muito lucrariam com a implementação de efetivas áreas marinhas protegidas e dos respetivos parques arqueológicos.

Graças a diversas iniciativas, todas elas imediatamente apoiadas pelo Governo Regional dos Açores, há agora áreas marinhas protegidas no Corvo, Faial, São Miguel e Santa Maria. Para além das reservas tradicionais, cujo respeito ainda deixa a desejar, há agora nestas ilhas um conjunto de áreas propostas pelas forças vivas e que têm sido imensamente consequentes, comprovando que a iniciativa local é a mais eficiente.

Penso que o esforço prioritário deverá ser no sentido de fortalecer as áreas marinhas protegidas existentes e criar os referidos parques arqueológicos. Obviamente, isso não impede que, se houver uma movimentação de interessados no sentido de abrir outras frentes, se desbravem novos e inesperados caminhos, desde que estejam devidamente planeados. Mãos à obra?!

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