Um número que vale ouro

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Em anteriores artigos do Tribuna das Ilhas e a propósito da sucessão de Fibonacci (1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, …), introduziu-se um número irracional aproximadamente igual a 1,618, que se representa pela letra grega phi e que se designa habitualmente por número de ouro. Vejamos alguns aspetos interessantes associados a este número. 

Geometricamente, o número de ouro surge a partir da divisão de um segmento no que Euclides designou por média e extrema razão, na sua obra Elementos (cerca de 300 a.C.): um segmento é cortado na média e extrema razão sempre que está para a maior parte assim como a maior parte está para a menor parte (figura A). Se assumirmos que o valor do comprimento do segmento mais pequeno é igual a 1 unidade e que o segmento maior mede x unidades, obtemos a seguinte relação: (x+1)/x=x/1. Multiplicando ambos os membros por x, deduzimos a equação quadrática x^2-x-1=0. Ao aplicar a conhecida fórmula resolvente, obtemos como solução positiva a metade da soma de raiz de 5 com 1, nada mais, nada menos do que phi.

O número de ouro apresenta outros aspetos curiosos. Na figura B, mostra-se que phi pode ser escrito sob a forma de uma fração contínua infinita. Isto significa que este número irracional pode ser sucessivamente aproximado por números racionais. Esta propriedade é comum a todos os números irracionais. Contudo, por ser constituída apenas por uns, esta fração contínua gera uma sucessão que converge muito lentamente para phi, razão pela qual é habitual dizer-se que phi é o “mais irracional de todos os irracionais”.

Vejamos como obter a sucessão de números racionais a partir da fração contínua. Começamos com o número 1+1/1=2=2/1; em seguida, para determinar um novo termo da sucessão, basta adicionar uma unidade ao inverso do termo anterior. Assim, obtemos: 2/1; 3/2; 5/3; 8/5; 13/8; … Note-se que os valores dos numeradores e denominadores são termos consecutivos da sucessão de Fibonacci! Esta propriedade já tinha sido referida em anteriores artigos: ao dividirmos termos consecutivos da sucessão de Fibonacci aproximamo-nos cada vez mais do valor de phi. 

Interessante é verificar que este é apenas um caso particular: se considerarmos uma sucessão de números com a propriedade de cada termo, a partir do terceiro, ser igual à soma dos dois que o precedem (tal como acontece com a sucessão de Fibonacci), independentemente dos dois números de que se tenha partido, a verdade é que a razão de dois termos consecutivos dessa sucessão vai aproximar-se sempre do número de ouro. Por exemplo, se os dois primeiros números forem o 1 e o 3, obtemos a sucessão 1, 3, 4, 7, 11, 18, 29, 47, … Se dividirmos termos consecutivos desta sequência, vamos obtendo valores cada vez mais próximos de phi. Por exemplo, 47/29 é aproximadamente igual a 1,621. Esta sequência numérica é designada por sucessão de Lucas, em honra ao matemático francês do século XIX, também conhecido pelos seus trabalhos em matemática recreativa. Apesar de menos frequente que a sucessão de Fibonacci, a sucessão de Lucas também marca a sua presença na Natureza. Por exemplo, em algumas espécies de girassol, o número de espirais que enrolam para a direita e o número das que enrolam para a esquerda na cabeça do girassol não são dois números de Fibonacci consecutivos, mas sim dois números de Lucas consecutivos.

 Concentramos agora a nossa atenção no pentágono e no pentagrama, figuras geométricas normalmente associadas ao número de ouro. Em O Código Da Vinci, Dan Brown recorre ao pentagrama para “apimentar” a sua obra com algum misticismo. Quem leu o livro ou viu o filme de 2006, baseado no bestseller de Dan Brown, pôde constatar isso mesmo. O pentagrama, ou estrela regular de cinco pontas, é um dos símbolos inventados pelo homem que deu origem a mais interpretações ao longo da história. Desde logo, o número de pontas da estrela, 5, exprime a união dos desiguais: 2 e 3. Em muitas culturas, simbolizou a união do masculino com o feminino. Para os hebreus, era um símbolo da Verdade, em menção aos 5 primeiros livros do Antigo Testamento. Os primeiros cristãos associaram-no às cinco chagas de Cristo. Já quando se inverte o pentagrama, de forma a apresentar uma ponta para baixo, este recebe o nome cabalístico de pentáculo, sendo utilizado para simbolizar o Diabo. No livro A Espiral Dourada, de Nuno Crato, Carlos Pereira dos Santos e Luís Tirapicos, encontra estas e muitas outras curiosidades relacionadas a obra de Dan Brown.

Pode desenhar-se um pentagrama a partir das diagonais de um pentágono regular (figura C). As diagonais, por sua vez, formam um novo pentágono mais pequeno no centro e as diagonais deste formam outro pentagrama e um pentágono ainda mais pequeno. Uma propriedade impressionante é que, ao tomarmos em consideração segmentos de reta por ordem decrescente de tamanho (na figura C estão marcados alguns desses segmentos, com comprimentos a, b, c e d), a razão entre os comprimentos de um segmento e do seu antecessor é exatamente igual ao número de ouro. De notar, em particular, que a razão entre os comprimentos de uma diagonal do pentágono e de um lado do pentágono é igual a phi.

Na figura C destacam-se também alguns triângulos de ouro: por exemplo, os triângulos com os lados de comprimento a e b e os triângulos com os lados de comprimento c e d. Chamam-se triângulos de ouro porque são triângulos isósceles em que a razão entre os comprimentos de um dos dois lados iguais e da sua base é igual a phi. 

Existem outras “figuras geométricas douradas” igualmente famosas. Falaremos do retângulo de ouro numa próxima oportunidade.

 

Departamento de Matemática da Universidade dos Açores, [email protected]

 

 

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