A crise e o poço

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Sempre houve poços, nunca tão falados como hoje. A torto e a direito alguém berra que está no poço, ao mesmo tempo que vocifera contra os governantes. Falta de dinheiro, traumas, fixacções, factores endógenos ou exógenos. Que tenham atracção por poços, tudo bem, mas porquê culpar o presidente, os ministros, todo esse pessoal que Deus colocou no nosso caminho, praticando única e exclusivamente o bem? É constrangedor! Repare, eles não reclamam de você, que votou neles e lhes impingiu tanta canseira e sofrimento. Entenda que a partir daquele dia em que o seu voto caíu na urna impensadamente, a vida deles virou um inferno.

Eles, que se saiba não mandaram construir poços. Não desceriam a tal nível. E estão se lixando para os fãs de poços. Mais, a crise também está fora de questão. A troika desconhece essa palavra. E a chanceler alemã tão atarefada com o nosso bem estar, está que nem dorme! Portanto esqueçam! E compadeçam –se dos ricos, tão sofridos!

Os portugueses ainda não entenderam nem querem entender que, aqueles papelinhos nojentos, besuntados, repletos de bactérias e muito mais, a que deram o nome de euros, não nasceram para lidar com pobres. Tem alergia a pobres. Sempre assim foi. Mesmo antes de estar emporcalhados, saindo limpinhos da casa da moeda, logo vão farejar a carteira dos  ricos, não só atraídos pelos companheiros lá existentes, como na ânsia de sair deste pedaço da Europa que tresanda a miséria, fome, desleixo, preguiça, droga, o  inferno, voando para paraísos onde se podem reproduzir sem que ninguém importune. Porque isto de andar com cães às canelas, não é fácil, não.

Até as moeditas tendem a seguir o mesmo caminho. É vê-las fugir do pobre como o diabo da cruz. E agora digam-me se os governantes tem culpa? Pobres deles . É vê-los, magros, olheiras, falta de cabelo. E devem  ter insónias, tentanto descobrir o processo de extravasar aquela massa toda. Jogar no lixo não convém. Dar aos pobres seria um desperdicio pois é por demais sabido que pobre é mal agradecido, mal organizado, não sabe desviar o quer que seja, muito menos um pedaço de papel com uma careta qualquer imprimida. E é esbanjador. Mas sem ideias que se aproveitem. Estão a ver um pobre construir uma auto-estrada com portagem? Comprar um submarino? Jogar fora a porcaria dum mercedes só porque furou o pneu? Oferecer umas flores para oferecer por uma bagatela de quinhentos euros? Passar o fim de semana no Dubai e na segunda feira levar a família a Nova Iorque, comprar uns modelitos?  Nem ao menos compra um diplomazito à toa num qualquer fim de semana da vida. Pobre é pobre e pronto.

E, contentando-se com uns trocados, não os tendo, chateia-se. Se tem fome e tira um iogurte no super mercado, é ladrão. Vai preso. Aí está. Não aprendeu a desviar nada. Agora, o rico, ao apoderar-se de algo de valor, não é ladrão, não é preso. Foi normal, desviou, está desculpado, pode continuar, grande senhor, faça favor, aplaudimos. O senhor presidente condecora-o para a próxima.

Entendeu? A coisa funciona assim. Com delicadeza. Com diplomacia. Não queira ser um desavergonhado, filho da mãe. A sociedade não perdoa. Bem feito! Aprenda com os outros, os ricos. Não tem emenda?

Como não tem emenda lá vem a conversa do poço. Poço não é lugar para se viver condignamente. Tanta terra inculta, tanto mato tanto caminho, tanta árvore oferecendo sombra, tanta valeta sem água, tanto mar e logo um poço! Fraco gosto! Então, que o verão se aproxima, os poços vão secar, nem vai dar para lavar os pés.

Bem, se prevalece essa preferência, sinto muito. Aconselho, se você se mantiver ao cimo do poço, ao meio, por aí, a coisa será difícil. Agora, quando tiver a graça de chegar ao fundo, mesmo ao fundinho, será o ideal. Assente os pèzinhos, ponha os neurónios a funcionar e toca a trepar. Sem olhar para trás. Será como sair dum túnel, aquela luzinha ao fundo, uma vida nova. A sua meta. Sairá são como um pero. Jogue fora a palavra pobre. Arranje umas notinhas que atrás outras e outras virão. Tem faro.

E, por favor esqueça o poço. Não só por si, pense no desgosto que dará aos nossos governantes. Sofrimento já eles tem que baste. Comece vivendo em lugares aprazíveis. Um banco de jardim. Largo da República. Milhares de pombos, enfrentando a crise, mandando- a cá para baixo. Se ela não lhe cair em cima, aprenda. Assim os governantes com as notas. A aflição da nojeira caindo constantemente.

Escrevi esta crónica no intuito de ajudar. E porque detesto poços. Mas se está mesmo apressado em ir para Deus, pense em Sócrates, o outro, usou cicuta. Lucrécia Bórgia, uma pitada de arsénico. E ficaram famosos! Você é que sabe!

Também há processos como a árvore e a corda, a dose de comprimidos, o tiro nos miolos, a linha do comboio, mas, será esquecido, foi uma morte inglória. Uma lágrima naquela hora e o pessoal esquece. Morte de pobre… Com estes três pontinhos imaginem o que ficou atravessado na garganta!

 

 

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