A culpa foi do verão !

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É verdade. Sempre sou questionada nesta estação. Com muitas interrogações. Porquê e porquê e mais porquê. E, eu , cara de pau, respondendo por meias palavras. E respostas à toa. Estive de férias, homessa! 

No entanto a verdade nua e crua é outra. Maldito verão. Simplesmente infeliz. Sinónimo de calor. Mas quem iria entender, uma vez que quase todo o mundo adora o verão. Mas  também eu, me sinto no direito de fazer uma pergunta a eles, os outros: Se gostam tanto dessa estação do ano qual a razão que os leva a criticar o calor, os mosquitos, o sol? 

No verão eu, tal como os que hibernam, devia entrar numa situação semelhante. Não me olhem, não me toquem, não me falem, ignorem-me. Estou veraniçando. “Este o vocábulo mais simpático que encontrei”. E mais nada!

E, desta maneira ver-me-ia  livre daquele sol de rachar pupilas. Daqueles raios ultravioleta chicoteando a minha retina. E é curioso que os amantes do sol preferem esquecer o campo e fogem para as praias.

Estou recordando Fortaleza. Aquela quilometragem de praias, um horror de água e o mundo torrando, na maior. Para não ser desmancha prazeres, estive lá no meio daquela multidão enlouquecida. Horas a fio com o sol me atormentando. Não andando. Tateando com os pés. Não me descalcei. Imaginem! Aquela praia, mais tarde eu calcorreei alguns pedaços, tenho a certeza que sentindo o horror de quem pisa um espaço minado.

Numa praia mal consigo erguer o rosto, porque sinto uma má disposição a virar para o enjoo, tal como se fosse sobre uma jangada, perdida algures            no oceano infinito. Sentar numa toalha na areia é uma tortura. Não me descalço. Ouvindo os pregões das pessoas vendendo coisas, penso em berros   de alguém muito aflito pedindo socorro, sem ninguém acudir. Bem que tento olhá-los, mas vejo-os como estranhos doutro planeta. A simples toalha                 onde me sento afigurasse-me um disco voador. Enorme, gigantesco e eu aparvalhada com insulação. Não me descalço.

Há dias em que o vento esquecendo de pulir o céu, não remove as nuvens e o mar ganha uma cintilação dura e quente, tenebrosa e estranha. E, mesmo assim as pessoas lançam-se à água, destemidas, felizes, nadando e quanto mais se afastam, vendo-as já esbatidas, fico imaginando o eco dos seus risos, das suas vozes, da sua felicidade. E as vagas rolando, majestosas, trazem de volta gente tranquila, confiante. Como pode? Ali fico contemplativa e meio displicente. Nunca estou preparada para tanto!

E, quando chega a hora do milagre, após  o sacrifício dum dia forçado, é certo, mas para ser simpática para com aqueles que me amam e julgam ter proporcionado momentos  de alegria, tento erguer os olhos ao céu e falar com Deus: Meu Deus eu fiz o meu melhor, em contrapartida peço me releve os meus pecados passados e vindouros.

E lá retorno, pés doridos de areia, olhos semi – cerrados para não enfrentar línguas de fogo que eu imagino dissecarem os neurónios em autópsia.

No entanto volto orgulhosa porque naquela praia consegui vencer o sol, o calor, os mosquitos, as minhas preocupações. Com um dedo escrevi na areia palavras à toa, que só eu entendia, mas que traduziam todas as minhas angústias e segui em frente sem mais olhar para trás. E, quem sabe, a maré subindo tenha feito o favor de guardar ou apagar o que já esqueci. Não me descalcei .

E, abraçada, a família regressa ao hotel, feliz. Todos! Até eu!

Peço que tentem entender o meu lado invernoso. Será que é mais interessante uma praia coalhada de gente suada, semi- vestida, jogando-se ao mar, regressando à areia, engolindo desajeitadamente aquele farnel que carregaram, dividindo-o  com a bicharada faminta, persuadindo os filhos a berrar uma oitava mais  abaixo, voltando para casa, e no dia seguinte a mesma cena ou será mais simpático caminhar na neve, a chuva caindo, o vento soprando, a pele seca, não odores, não calores, não nada. Comodidade.

Por tudo isto eu sempre tento viajar no verão para países frios. De inverno feitos. De edredons, casacos de pele, luvas e botas. Chocolate quente. Lágrimas de frio, cara abaixo sem motivo. Nariz pingando sem constipação. È o frio. O amigo por quem eu espero e esperarei. E encontrei. Que me traz bons pensamentos. Queridos que nem só. Longe daquele inferno de Dante, que agarrando-me com seus tentáculos quentes, me levam a pensar que o céu é um mar de insensatez.

E, quem sabe, no inverno até a melancolia seja um convite para transcender o status quo banal, imaginar e entender o que virá depois. Hora de descalçar.

Quero morrer no inverno!

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