A dimensão natural da paisagem açoriana

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À altura da sua descoberta as ilhas açorianas eram essencialmente cobertas por densas manchas de florestas naturais que foram gradualmente desaparecendo com a ocupação humana, primeiro nas zonas costeiras e depois nas zonas de média altitude. As características naturais de cada ilha (como o relevo, o microclima local e os recursos presentes) o curso da história e o valor dos solos determinaram a ocupação humana, a transformação da paisagem e os seus padrões específicos associados. Gaspar Frutuoso, o mais famoso cronista destas ilhas no século XVI, identificou, já na altura, a maior parte da vegetação natural arbórea presente nas diversas ilhas. Faz parte dos seus relatos a descrição da presença de cedros, louros, ginjas, faias, sanguinhos, azevinhos, urzes, pau branco e teixos. Refere também a presença de alguns arbustos de menor porte como a uva-da-serra, o folhado ou o queiró e de diversas espécies de herbáceas, tanto costeiras como de altitude ou linhas de água. Nas “Saudades da Terra” é possível discernir a densidade e mesmo impenetrabilidade das florestas naturais no início do povoamento já que “eram tão bastas as árvores que em muitas partes um cão não podia passar por entre elas, nem por debaixo delas; e muitas vezes se andava grande espaço de terra, sem porem os homens os pés no chão, senão por cima de árvore, que estavam verdes, deitadas e alastradas umas por cima de outras,” (Gaspar Frutuoso – “Saudades da Terra” – Livro IV, p.226) descrição que corresponde mais à ideia que se faz de uma selva tropical do que uma floresta de climas temperados. Nas suas descrições é possível distinguir a presença de um mosaico de vegetação que integra não só formações de porte arbóreo (os denominados “arvoredos”), como também de porte arbustivo (os “matos”) e herbáceo. Refere tanto a presença de florestas mistas e multiestratificadas como de manchas de uma só espécie num emaranhado de formas e texturas que aos primeiros povoadores poderá ter-se afigurado como indestrinçável.

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As atividades e a ocupação humana rapidamente alteraram este estado inicial, de tal modo que mais de quinhentos anos depois a laurissilva apenas subsiste com alguma integridade em áreas protegidas e em zonas de difícil acesso e utilização pelo homem. É nas zonas mais altas e húmidas das ilhas, mais declivosas ou expostas aos ventos dominantes que ela se mantém, não necessariamente com a mesma pujança que se manteria em zonas abrigadas e de solos profundos, onde tem o seu ótimo ecológico. A sua expressão na paisagem é bastante reduzida (menos de 13% da ocupação dos solos ao nível do arquipélago) pelo que as manchas de vegetação existentes têm um valor importante. As espécies da flora endémica e nativa foram capazes de se instalar e colonizar um dos arquipélagos mais isolados existentes no mundo, desenvolvendo estratégias de reprodução adaptadas às condições específicas do meio, e por isso a sua preservação é simultaneamente garante da preservação de todo o sistema ecológico e de relíquias que podem eventualmente ser úteis para o futuro. A vegetação natural endémica e nativa é uma das expressões mais importantes da dimensão natural da paisagem destas ilhas, e deve ser por isso alvo de um esforço intenso de conservação da natureza, nomeadamente no que diz respeito à delimitação de áreas protegidas. A presença de um continuum naturale entre áreas protegidas é essencial como garante da preservação dos processos ecológicos e da resiliência dos ecossistemas, contribuindo para garantir a manutenção do valioso património natural existente. 

Nota: referência bibliográfica FRUTUOSO, Gaspar – “Saudades da Terra” (158?), Livro IV. (edição do Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1977-1981).

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