A questão basca

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As fronteiras políticas da Europa estão novamente em ebulição. Entre o final da II Guerra Mundial e o colapso da União Soviética, as alterações territoriais verificadas no Velho Continente foram mínimas. A verdade é que a Guerra Fria congelou as questões territoriais entre os diversos Estados e grupos étnicos europeus. A desagregação político-territorial dos Estados europeus foi assim interrompida durante quase meio século.
O fim do grande confronto ideológico destruiu a leve argamassa que mantinha as aspirações nacionalistas europeias em estado de hibernação. É nesse contexto que deve ser interpretado o atual recrudescimento das tensões nacionalistas em toda a Europa. É o caso dos referendos escocês e catalão. É, de certa maneira, o caso das minorias russas na Ucrânia.
O caso do Estado espanhol é o mais paradigmático e o que poderá ter consequências de maior amplitude para Portugal. Na minha opinião, a desagregação do Estado espanhol é uma questão de tempo. A autodeterminação da Catalunha parece cada vez mais irreversível, tendo em conta o crescente apoio popular às teses independentistas.
Os nacionalistas moderados que governam o País Basco optaram por observar cautelosamente o processo de emancipação catalão e agir depois no âmbito do contexto criado. De qualquer forma, não existe qualquer dúvida que o País Basco abandonará o Estado espanhol se a Catalunha conseguir obter a independência política. Importa, por isso, estudar o caso basco.
O nacionalismo basco surgiu no final do século XIX, embora muitos queiram ver nas Guerras Carlistas – iniciadas na primeira metade desse século – uma primeira manifestação nacionalista basca contemporânea. No entanto, foi Sabino Arana, fundador do Partido Nacionalista Basco (1895), quem organizou, política e socialmente, o nacionalismo basco e lhe forneceu muitos dos seus elementos simbólicos. A identidade nacional basca assenta numa língua e tradições ancestrais, que a diferenciam, de facto, de todas as outras nações europeias de língua indo-europeia.
Durante a II República Espanhola (1931-1939), o País Basco obteve o seu primeiro Estatuto de Autonomia que, após a vitória de Franco na Guerra Civil (1936-1939), foi abolido. A ETA foi fundada em 1959, no período áureo das guerras revolucionárias de libertação nacional, no contexto do regime franquista e da Guerra Fria. O seu objetivo era alcançar a autodeterminação nacional do povo basco – no âmbito de um contexto territorial que integrava os sete territórios históricos bascos localizados no território dos Estados espanhol e francês – e a revolução social. De acordo com os manuais revolucionários da época, a ETA iniciou uma sangrenta guerrilha urbana contra as forças da, segundo eles, potência ocupante.
Entretanto, o contexto espanhol e internacional começou a mudar. A partir de 1978, após a transição política espanhola, foi aprovada uma nova Constituição Espanhola que reconhecia o povo basco como uma nacionalidade histórica do Estado espanhol e foi concedido um Estatuto Político para o País Basco (o Estatuto de Guernica) que lhe outorgava elevados níveis de autonomia. No final da década de 80, com o colapso da União Soviética (1991), termina a Guerra Fria. As guerrilhas revolucionárias de esquerda perdem, assim, em termos ideológicos e políticos, uma parte importante do contexto internacional legitimador.
O objetivo final de todas as fações nacionalistas bascas é – ninguém duvide disso – a independência política de toda a Euskal Herria (Euskadi, Navarra e o chamado País Basco francês). Este objetivo final, de natureza irredentista em relação à Comunidade Foral de Navarra e às zonas bascas do Estado francês, tornam a questão basca ainda mais complexa, uma vez que uma hipotética independência política de Euskadi não resolverá, por si só, toda a questão político-territorial ligada ao nacionalismo basco.
Um País Basco independente poderá vir a tornar-se num foco de instabilidade permanente para os contíguos Estados espanhol (Navarra e os enclaves de Villaverde de Trucios e de Trevinho) e francês (Lapurdi, Zuberoa e Nafarroa Behera). Este último fator torna a “questão basca” numa espécie de “Curdistão europeu” e atrasará, com muita probabilidade, a sua resolução definitiva.
Neste contexto, e enquanto for possível, os Estados espanhol e francês adiarão a independência política de um Estado que possuirá, com total certeza, reivindicações territoriais sobre uma parte dos seus respetivos territórios.

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