De sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer, e esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos

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Um homem vai abrindo uma rosa branca. Matutino e devagar. Colhe-lhe a essência do perfume, o vulto dessa escultura. Está sózinho e vestido de branco, real com a áurea que o envolve. A rosa é contínua e não se condena no que perde. As pétalas iluminam-se como palavras mágicas, estrelam-se ao tocar o chão. Este chão é estranho, reparo. Indefinido como o céu, silenciado, vivo, deslumbrado. E com estrelas e com astros. Mas o homem está sobre ele. Sentado sobre a sombra que não é. Frágil, cativo e belo. Uma música cerceia-o, faz-lhe um retrato onde se eterniza. As mãos são longas e magras e é delas por onde ele fala. Este homem escreve? Questiono-me. Não. Confirmo. Tem um ar demasiado profético para que o faça. Sereno. Sábio. Santo. E não é mecânico, é encantado. 

Olho-o. Os seus olhos estão curvos para a branca flôr. Imóveis como se arrefecidos. Perturbo-me. Eles arrepiam-se e fixam-me. Grandes, penetráveis, profundos, leves. Domina-te! Parece quererem dizer-me. Só tu aqui és incerto. Não há nada mais óbvio. Este céu é o território do sono, é a carga esvaída das minhas pálpebras. O seu peso noturno. A sua música flébil. E tu quem és? Deplora a razão, sussurra-me. Não vês que dormes? Serás Deus? Questiono-lhe?

Não, responde-me. Deus é áçido se o prendes ou se o furtas a essa humildade onde Ele se exerce. Deus em seu silêncio não é um ato tenso ou uma fera que se pressente. Ele é um estado para que te libertes, para que compreendas um relâmpago quando troveja ou um vislumbre quando algo nasce. Deus é fundo em Sua antiguidade, velho sábio que ama o que nada sabe, luz com estatuto de inteligencia, forma vagarosa do espaço. Deus é um lugar para estremecer, mapa do arrepio, simples coisa enigmática, sonho que se avulta tal como este, alma que se esquece. No timbre do brilho, Deus lembra a surda saudade que és, os poucos indícios que são os que te pensam  astros e espírito, lua com a residência em greve. Deus ama um rio como quem bebe a sede em transe, a vaga maternal da fêmea que cobre e se recolhe e se recrudesce no arguto perfume donde nasces. Deus é um poro que sua a sua febre, nervo na ramagem da pele, uva esquiva em seu fermento, pão que amadurece, a ruga visível da idade, ave paciente a subir para o Universo, semente , esperma, útero profundo rindo-se da morte. Deus é uma pena leve, um peso de pé sobre a água, uma floresta a crescer-lhe por baixo, a prateada escama e a vermelha guelra de um peixe respirando obscuramente. Deus é anterior a Si mesmo e a tudo como um facto e é um infinito transparente quando logo se parece exato.

Do porto infinito de todas as perguntas chegam as velas de algumas  respostas. Trazem um coro duro, memorial. Gesticulam cheias de desenhos por dentro do cenário que é agora o meu. O homem de branco observa-as como se observasse gente numa feira, toca-as de alguma estranha forma imaterial. As respostas emudecem e sossegam. Descem vagarosas, quase líquidas para aquele chão. Só a Deus pertencem as respostas, oiço-o a advirti-las. Vêdes aquele humano que ali dorme? Ele é dentro a alma suspeita das perguntas. 

Credo, penso eu, este homem que sulca este chão como o próprio céu reduz o meu sentido a um simples eixo. Porque o afirmas, pergunto. Porque não me podem pertencer as minhas próprias respostas? As que tens perante ti, são as minhas. Cá dentro e lá fora. Pertencem-me. E movendo-se como se fosse triste, para uma verdade sem fim oiço-o: Não, não são tuas estas. Não são tuas porque as não tens. Estas são apenas as respostas que serão as tuas perguntas. Recolho-me combalido. Dentro do sono também é possível entristecer. 

 

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