No Centenário da República Portuguesa (18)

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Retalhos da nossa história – LXXXVIII

23. Governador Manuel Francisco das Neves Júnior

A Revolução de Sidónio Pais iniciada, em Lisboa, no dia 5 de Dezembro de 1917 e vitoriosa três dias depois, após intensos combates que fizeram mais de 100 mortos e cerca de 500 feridos, pôs fim ao Governo de Afonso Costa e à demissão do Presidente da República, Bernardino Machado. Propondo a regeneração da vida pública portuguesa, com a promessa de uma República Nova, que logo contou com a importantíssima adesão de Machado dos Santos e de José Carlos da Maia – dois dos seus valentes fundadores no histórico 5 de Outubro de 1910 – tinha como objectivos acabar com a instabilidade governativa, criar um regime em que pudessem viver harmoniosamente republicanos e monárquicos, minimizar as profundas carências alimentares e incutir confiança na maioria da população portuguesa, que tinha cerca de 80 mil homens seus a combaterem na Flandres, em Angola e em Moçambique. Sidónio Pais, que contou também nessa conspiração com o apoio dos unionistas de Brito Camacho, assumiu a chefia do Governo.

Daí ser natural a escolha do médico Dr. Manuel Francisco das Neves Júnior para governador civil da Horta, já que ao seu grande prestígio profissional aliava o cargo de líder distrital dos unionistas, os quais tinham vencido em todos os concelhos das ilhas do Faial e do Pico as eleições autárquicas realizadas no mês de Novembro desse ano, derrotando os democráticos, que, a nível do País eram maioritários.

Nomeado por Machado dos Santos, titular da pasta do Interior, o Dr. Neves tomou posse no dia 17 de Dezembro de 1917, “perante grande número de cidadãos, chefes de repartições e empregados públicos”, a quem agradeceu a estimulante presença, manifestando “o quanto era seu desejo que tudo corresse na melhor ordem, sentindo não poder prometer melhoramentos devido às circunstâncias actuais, mas que não se cansaria de os pedir”. Afiançou que atenderia “a todas as reclamações, pedindo o auxílio tanto do público como dos representantes das forças vivas do distrito”[1]. Não obstante estas palavras, aliás, em consonância com os propósitos conciliadores de Sidónio Pais, o Chefe do Distrito logo procedeu à nomeação de pessoas da sua confiança para as administrações de Concelho de que o mais paradigmático exemplo foi a substituição do democrático Carlos Alberto Pinheiro pelo unionista Jaime Maria Soares de Melo.

Em plena guerra mundial, as ilhas dos Açores sofriam uma gravíssima crise de subsistências, com algumas delas sem milho e trigo suficientes para a alimentação das respectivas populações. Esse, portanto, um assunto a merecer medidas imediatas por parte do governador civil, como se vê num alvará seu de 7 de Janeiro de 1918, que procurava garantir o abastecimento da ilha do Pico, a qual, além da grande quantidade de milho que já recebera do Faial, ainda carecia de cerca de 700 moios cuja importação de São Miguel ele acabara de assegurar; por esse alvará eram tabelados os preços a que ficavam sujeitos os lavradores faialenses na venda do milho e do trigo; a exportação de manteiga e queijo só era permitida desde que os mercados locais estivessem devidamente abastecidos, bem como se providenciava o abastecimento de milho para as ilhas do Corvo e das Flores. Estas terminantes disposições do governador civil eram expressamente cometidas aos administradores de Concelho para integral cumprimento. Não se encontrou notícia de tumultos provocados nas ilhas do distrito da Horta devidos a falta de alimentos básicos como o que ocorreu na Terceira, assim noticiado por telegrama em semanário faialense: “ sábado último [15 de Dezembro de 1917] as padarias grevistas de Angra queimaram muitos foguetes em sinal de regozijo pela demissão do governador civil; os populares exaltados atacaram aquelas padarias, partindo os vidros, havendo correrias e ferimentos”[2].

Entretanto, Sidónio Pais na sequência da sua assumida condição de “chefe de todos os portugueses” e de “mandatário da nação”, libertou sindicalistas presos, permitiu o regresso de conspiradores monárquicos e restabeleceu as relações com os católicos, através da revisão da Lei da Separação da Igreja e do Estado. Na organização política do Estado, abandonou o princípio, em vigor desde 1910, de que os colaboradores do governo tinham de pertencer ou de ter pertencido a partidos políticos republicanos. Assim, e pela lei eleitoral de 30 de Março de 1918, alargou o direito de voto a todos os portugueses maiores de 21 anos e introduziu o presidencialismo em Portugal, sendo o Chefe de Estado, que passava a ser eleito por sufrágio universal e directo, simultaneamente o chefe do Governo e o comandante supremo das Forças Armadas. O parlamento, que até então, fora o principal órgão do Estado perdeu muito do seu poder. De tudo isto resultou que os tradicionais partidos republicanos, mesmo os que inicialmente haviam estado a seu lado como os reformistas de Machado dos Santos e os unionistas de Brito Camacho, o tenham abandonado, criando ele o seu Partido Nacional Republicano. As eleições presidenciais e legislativas de 28 de Abril de 1918 foram um retumbante êxito de Sidónio Pais, mas o governador do distrito já não era o Dr. Neves que, certamente, em solidariedade com os camachistas, se havia demitido uns dias antes, precisamente a 17 de Abril, sendo substituído por outro médico, o Dr. Alberto Goulart de Medeiros.

Todavia, ainda na Primeira República, o poderoso Dr. Neves seria Chefe do Distrito por mais três vezes, sempre em efémeros mandatos como efémeros eram os governos portugueses que, depois do assassinato de Sidónio Pais em Dezembro de 1918, vertiginosamente se sucederam numa barafunda política que levou à Revolução do 28 de Maio de 1926.

Assim encontramo-lo a tomar posse do cargo de governador civil a 20 de Fevereiro de 1919, acto a que assistiram muitas pessoas, afirmando, na ocasião, o Dr. Neves “ser seu intuito fazer administração republicana sem carácter partidário, pois o actual ministério é de concentração, e que, por isso, esperava a coadjuvação de todos os elementos republicanos, prometendo também interessar-se por todos os assuntos que dizem respeito ao bem-estar dos povos do distrito”[3]. Esse ministério de concentração fora uma solução de compromisso para acabar com a Monarquia do Norte, em que José Relvas chefiava um elenco governativo com representantes de vários partidos e facções, ocupando ele próprio o ministério do Interior, responsável, portanto, pela nomeação do Dr. Neves para a chefia do Distrito. Caído o governo de José Relvas, deixou ele o cargo de governador, ao qual regressaria a 11 de Junho de 1921, nomeado pelo Ministério de Barros Queirós que havia integrado o Partido Unionista, passando, após a dissolução deste agrupamento, a fazer parte do Partido Liberal Republicano. A imprensa faialense noticia o acontecimento, nomeadamente O Telégrafo de segunda-feira 13 de Junho, que em primeira página nos diz que “com uma grande concorrência de amigos, admiradores e correligionários políticos, o sr. dr. Manuel Francisco Neves Jr., Guarda-mor de Saúde e um dos homens mais prestigiosos desta terra, tomou posse, sábado último, do cargo de governador civil do distrito”. Acrescenta o jornal que a posse foi dada pelo secretário-geral Dr. Urbano Prudêncio da Silva que, em palavras lúcidas se referiu à competência do novo governador, afirmando que o distrito muito tinha a esperar dos esforços de s. ex.ª pela situação de destaque em que o sr. dr. Neves se encontra perante o governo do sr. Tomé de Barros Queirós”. Justificou depois o empossado as razões por que tinha aceite “o convite que lhe fizera o directório do Partido Liberal por entender que lhe cumpria neste momento cooperar para o bem geral do País na medida dos seus recursos, diligenciando ao mesmo tempo melhorar a situação em que se acha o distrito da Horta”. Apelava ainda para que os seus amigos e correligionários lhe dessem – e ao Partido Liberal – “todo o seu apoio e auxílio” nas eleições que se realizariam no dia 10 de Julho.

Não obstante a vitória dos liberais, as desavenças entre os seus dirigentes provocaram a demissão de Barros Queirós e a subida ao poder de António Granjo, em 30 de Agosto, que vai governar, contra a hostilidade dos democráticos, até 19 de Outubro, data da tristemente célebre “Noite Sangrenta” que mostra bem a loucura em que caíra a vida política portuguesa e em que foram assassinados, entre outros, os heróis da fundação da República, Machado dos Santos e José Carlos da Maia, e o próprio António Granjo.  Com a trágica morte do presidente do Ministério, o Dr. Neves demitiu-se do cargo de governador civil a ele regressando novamente, em 24 de Novembro de 1923 no governo nacionalista presidido por Ginestal Machado e em que a pasta da Instrução era ocupada pelo faialense Manuel Soares de Melo e Simas, coronel de artilharia e distinto astrónomo. Para que nada fosse diferente, também o Gabinete de Ginestal Machado pouco tempo durou. Foi substituído pelo Ministério de Álvaro de Castro e, apesar do convite que lhe fez o ministro do Interior Sá Cardoso, o Dr. Neves não aceitou continuar na chefia do Distrito da Horta, acabando por ser substituído pelo major Álvaro Soares de Melo que tomou posse em 10 de Janeiro de 1924.

Nesta altura já o Dr. Neves, certamente saturado da suicidária vida política nacional, aderira ao renascido movimento autonomista açoriano e optara pela constituição do Partido Regionalista do Distrito da Horta, de cuja comissão organizadora fez parte conjuntamente com José Osório Goulart, José Rodrigues do Amaral, Manuel Joaquim da Silva Menezes Jr. e Pedro Maria Lecoq.

O movimento revolucionário do 28 de Maio de 1926 encontra-o na liderança daquele partido, que acabará por se extinguir quando os seus membros, com o Dr. Neves à frente, decidem aderir à Ditadura e ao Estado Novo, integrando a União Nacional onde terão, a par de alguns êxitos, vários contratempos provocados pelo grupo de que era mentor o Dr. Manuel José da Silva, que fora deputado democrático na I República. Mesmo assim, o Dr. Neves, embora intermitentemente, ainda tinha muito poder no período que vai até ao início da década de 40 do século XIX, chegando a exercer a chefia do distrito em 1934 como governador civil substituto.

Figura política controversa desde os tempos da Monarquia em que pertencera ao Partido Regenerador, mas muito importante e poderoso, foi um clínico exímio e um notável cirurgião, com uma actividade “tão intensa quanto benemérita, pois fê-la abundosamente gratuita, até mesmo para quem podia pagar”[4]. Filantropo, legou o seu Palacete de Santana à Santa Casa da Misericórdia da Horta para nele se instalar uma Maternidade e um Lar para crianças pobres ali nascidas. Não sendo necessária a Maternidade, por, entretanto, haver sido preenchida essa valência no moderno Hospital é, actualmente e após indispensáveis obras, a Escola Profissional da Horta

O Dr. Manuel Francisco das Neves nasceu nos Cedros em 22 de Fevereiro de 1870, casou com D. Maria Rodrigues Neves e faleceu, sem deixar descendência, a 4 de Junho de 1953.


[1] “O Telégrafo”, 17 Dezembro 1917, p. 2

[2] “A Democracia”, 17 Dezembro 1917, p. 3

[3] Idem, 22 Fevereiro 1919, p. 2

[4] Greaves, Manuel – Correio da Horta 6 Julho 1953, p. 2

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