Nós e o Povo

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Para além da discussão do OGE para 2013, a grande notícia do momento centra-se na discussão das funções actuais do Estado e na eventual revisão da Constituição.

Já opinei por diversas vezes que é fundamental que cada sociedade discuta, com seriedade, elevação, competência, sem dogmas e sem pressões ou manipulações ideológicas, o tipo de modelo social em que pode e quer viver.

Desde 1994, quando regressei a Portugal para terminar a minha especialidade, que tenho levantado essa questão na minha área profissional. Em 2010 e 2011 voltei a realçá-la de forma mais abrangente em vários documentos publicados em jornais ou redes sociais e, mais recentemente, em 2012 pude deixá-la bem explícita no contributo que dei para a elaboração do programa de saúde do movimento independente de cidadãos que concorreu ás eleições da RAA.

Disse então que que (..) “as políticas de saúde devem ser supra-partidárias e projectadas a longo prazo” (..) e que se deveria (..) “Chamar o cidadão a participar no orçamento regional: saber que receitas temos, como as queremos dividir, por que áreas das funções do Estado e, de forma transparente e sem dogmas, fazer ver quais os seus custos de oportunidade. Isto quer dizer que o cidadão terá que optar entre ter mais ou menos na saúde ou em outras áreas Ora será com a verba atribuída à saúde, agora e no futuro, que se deve reorganizar todo o sistema, de modo a obter a melhor prestação com aquilo que os seus financiadores, os cidadãos, estiverem dispostos ou puderem pagar” (..).

Ou seja, deduz-se obviamente que, não só na saúde, mas em algumas outras áreas sociais do Estado e de soberania, os programas de governação deveriam ser elaborados a longo prazo, de forma supra-partidária e por consenso social alargado. Assim sendo, tal como outros companheiros deste movimento preconizavam, os seus orçamentos teriam que ser necessariamente participativos e depender praticamente de impostos finalistas.

Mas também defendi que não pode nem deve haver grandes convulsões sociais durante estes períodos de transformação, nem muito menos dispêndio de tempo e recursos com experiências sucessivas de novos modelos. E, como tal, alvitrei que a melhor solução na saúde, por exemplo, seria idealizar um modelo adequado, dinâmico, e ir fazendo convergir o sistema actual com o modelo futuro, tendo como suporte um orçamento de base zero. Isto poderia ser válido, uma vez mais, para qualquer outra área das funções do Estado e o processo requeria ter logicamente pessoas certas nos lugares certos, competentes e capazes de gerir toda a mudança.

É verdade que o país já teve melhores e mais tranquilas oportunidades para iniciar todo esse percurso, mas por inépcia da nossa classe política foi necessária uma crise de proporções quase apocalípticas para colocar definitivamente este ponto na actual agenda política. Ainda bem.Não posso estar mais de acordo com ele ainda que não me reveja propriamente no seu timing.

No entanto, há algo que deve ficar claro. Não podemos deixar apenas nas mãos dos personagens de sempre, os partidos políticos, o ónus desta decisão. Seria impensável, não só porque os seus representantes seriam incapazes de se libertar do espartilho da disciplina ideológica, como, pelos níveis de abstenção,  também estão longe de representar a maioria dos potenciais eleitores. Mais ainda, actualmente nenhum deles está sequer mandatado pelo voto para elaborar qualquer revisão constitucional ou decidir sobre o modelo social das futuras  gerações.

Logo, é fundamental que a verdadeira e livre sociedade civil se queira ver representada nessa importante discussão. Até porque já basta de atitudes prepotentes e paternalistas de uma dúzia de “iluminati” que nos pretendem passar, sistematicamente, um atestado de incapacidade. Não é por isso de estranhar o cada vez maior fosso entre a política e a sociedade, mas ignorar a sua obrigação e responsabilidade é um erro colossal de quem é governado.

De facto, o “contrato social”, que está na génese das novas democracias geradas desde há dois séculos, não pode ser defraudado. A imposição das regras não pode ser unilateral, porque esse contrado significa um trade off entre liberdades e garantias. E já começa a ser tarde para lembrar a essa nova pseudo-elite, cada vez mais profissional,  que há mais vida e mais sociedade para além dos partidos políticos.

Nós, por outro lado, devemos estar à altura dos acontecimentos, exigir a nossa quota parte na tomada dessas decisões e, por fim, obrigar a “refundar” sim a democracia, que não pode continuar a ser controlada por uma oligocracia partidária. E são cada vez mais as vozes que reclamam este direito. Só assim, como diz Canotilho (constitucionalista), evitaremos ter um Estado de Não Direito (..)  “em que o direito se identifica com a «razão do Estado» imposta e iluminada por «chefes»”(..). Afinal, Nós, o Estado, somos o Povo.

 

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