Profissões: Elisabete Melo é marinheira

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Elisabete Melo

Elisabete Fátima Cabral Melo, é natural da Ribeira Grande, mas até aos 15 anos viveu nas Calhetas. Veio viver para o Faial com os seus pais em 1995.
Começou a trabalhar muito cedo. Com apenas 17 anos e uma filha para criar sozinha, trabalhou primeiro nas limpezas, depois em híper mercados, até que um amigo a chamou para a extinta Transmaçor.

A necessidade e a responsabilidade levaram-na a aceitar a oferta de emprego. Primeiro, como assistente de bordo, mas rapidamente passou a marinheira.

Com várias formações ao nível da segurança a bordo e com cédula de Mestre de Tráfego Local e de Contramestre de Marinha Mercante é uma das poucas mulheres marinheiras nos Açores e até mesmo no continente. Ao Tribuna das ilhas a profissional confessa que encara a profissão de marinheira como qualquer outra, mas numa atividade normalmente exercida por homens, admite que às vezes tem de “fazer finca pé”.

Elisabete Melo regista que aquilo que mais a marcou durante estes 19 anos
de profissão foi o nascimento de uma menina a bordo do Cruzeiro do Canal
e o falecimento de um menino, que nasceu com um tumor e que fazia regularmente as viagens entre o Pico e o Faial. Fora da profissão, a marinheira
diz que é uma mulher como todas as outras. Cuida da casa, da família, gosta de cozinhar e o seu passatempo preferido é tratar de plantas.

Tribuna das Ilhas (TI) – Como teve conhecimento ou contacto com a profissão de Marinheira?
Elisabete Melo (EM) – Foi através do Daniel Fraga. Eu trabalhava na caixa do Hiper e ele tinha conhecimentos com alguém do serviço de limpeza e costumava andar por lá. Ele sabia como era o meu trabalho e perguntou-me se eu queria ir trabalhar para a Transmaçor.
Explicou-me o que era para fazer, mas eu tinha trabalho e disse que não. Tempos depois saí do híper para ir trabalhar para a Dualcopia que tinha o Retiro dos Frades. Pouco tempo depois, fiquei sem trabalho e resolvi ir para o Pico à procura.
Quando estava para ir para o Pico o Daniel Fraga, estava na bilheteira e eu perguntei-lhe se ele ainda tinha trabalho para mim. Disse-me que não. Dei-lhe o meu número para o caso de aparecer alguma coisa ele me contactar.
Durante uma semana procurei trabalho no Pico. No dia que comecei a trabalhar, no hiper da Madalena apresentei-me de manhã ao serviço e comecei a organizar as arcas, mas disseram-me que não podia mexer porque o patrão não gostava. Percebi que não ia correr bem.
À hora do almoço o Daniel Fraga ligou-me a dizer que se estivesse interessada que tinha uma vaga para mim. Nem pensei duas vezes. À tarde já vim para o Faial. Ele disse-me para me apresentar no outro dia com umas calças azuis e uma camisa branca.
Assim foi, fiz a tarde nesse dia e no outro já comecei a trabalhar sozinha. Fui substituir uma funcionária que tinha saído. Foi assim que comecei nesta profissão.
Em janeiro de 2005 houve dois colegas meus que foram tirar o curso de marinheiro, na altura tinham apenas o curso de pescador, à Escola de Pesca e da Marinha de Comércio e eu organizei a minha vida e fui de setembro a dezembro, com outro colega.
TI – Que motivos levaram à escolha desta profissão?
EM – A necessidade de trabalhar para criar a minha filha.
TI – Que formações fez nesta área?
EM – Tenho todas as necessárias. Nós como eramos assistentes de bordo, a Capitania deu autorização para exercermos como não marítimos. A partir de 2008 é que tivemos de fazer formação, porque a maior parte dos meus colegas todos tinham cédula de pescador para trabalhar com passageiros.
A empresa de cinco em cinco anos faz formações para atualização, não da categoria profissional, mas de segurança, desde combate a incêndios, primeiros socorros. Às vezes os barcos apitam, somos nós a fazer exercícios. Esta é uma formação que temos que ter sempre.
Quando fui lá fora tirar a formação os meus colegas já tinham. Quando voltei chamavam-me a “Maria da escola”.
TI – Há quanto tempo exerce estas funções?
EM – Há cerca de 19 anos. Comecei em 2003. Desempenho atualmente as funções de marinheira, mas tenho cédula de Mestre de Tráfego Local e de Contramestre da Marinha mercante.
TI – Sendo uma mulher numa profissão normalmente exercida por homens, sente ou sentiu algum tipo de constrangimento ou discriminação por parte dos outros marinheiros?
EM – Não de todos. Mas de um ou outro, às vezes algumas conversas, algumas coisas. Houve pessoas que me ajudaram muito no exercício das minhas funções e que nunca pensei que me ajudariam. Não posso dizer que senti dificuldades porque eu nunca fui uma mulher de sentir dificuldades em nada. Mas muitas vezes foi preciso fincar pé.
Eu entrei em 2003, fiz o verão de 2003 e depois mandaram-me para casa, o serviço era só de verão. A empresa perguntou-me se estava disponível para trabalhar no verão de 2004 eu disse que sim. Durante esse tempo fui trabalhar para o híper e depois voltei ao serviço. Como estava a pensar fazer a minha casa, disse à empresa que se pretendiam que eu só trabalhasse de verão para não contarem comigo. Disse-lhes que gostava imenso deste trabalho e que eles sabiam como era a minha maneira de trabalhar. Mesmo sendo assistente de bordo, comecei a ver como os colegas trabalhavam, na parte da carga, e dos cabos e já quando entrava ao serviço não era apenas assistente de bordo. Ainda não tinha formação, mas já era uma marinheira igual aos meus colegas.
Não foi difícil, foi um bocadinho sentido, mas acabei por ficar na empresa.
TI – Como descreve a vida de uma mulher marinheira que passa parte da sua vida no mar?
EM – Como a de outra mulher normal que trabalha. Apesar de eu trabalhar no mar, acho que a maior parte das mulheres também sentem a mesma coisa. Todas saímos de manhã para fazer o nosso trabalho e chegamos a casa temos de fazer as nossas coisas, tratar da roupa, da comida: é o normal de qualquer mulher.
TI – Enjoa ou alguma vez enjoou numa viagem?
EM – A única vez que me lembro de enjoar no mar já estava grávida do meu filho. De manhã não tive tempo de tomar o pequeno-almoço e cheguei a São Jorge estava com sede. Bebi uma garrafa de água. Normalmente não bebo água fresca, mas bebi porque estava com sede. A viagem estava boa, mas para cá veio um bocadinho trincadinha. Isto no Expresso do Triângulo. Sentei-me atrás, e comecei a sentir água na boca, estranhei. Comecei a ficar tonta e disse: – Oh, estou a ficar maldisposta. E foi mesmo, deitei para fora a água da mesma maneira que entrou.
Foi a única vez que me lembro de passar mal no mar. Os colegas perguntavam-me se eu passava bem. Eu cheguei a apanhar fresco no mar, mesmo nos primeiros dias e eles ficavam intrigados. Eu dizia-lhe que ia pescar com o meu pai quando era pequena, que sei o que é o mar. Para mim não foi nada do outro mundo.
TI – O que é preciso para ser uma boa Marinheira?
EM – Para ser uma boa marinheira… Eu acho que toda a mulher tem tudo o que é preciso para ser aquilo que que quiser, agora temos de ter coragem e acima de tudo respeitar o mar.
TI – Quais são as suas principais preocupações e desafios quando está no exercício da sua profissão?
EM – A maneira e o serviço no Porto. Se tem muita puxada e principalmente a embarcar e a desembarcar os passageiros nos Cruzeiros e até mesmo nos navios grandes. O mar até pode estar bom, mas quando ele corre, um cabo pode partir, alguém se pode magoar, como já aconteceu. A minha preocupação é o embarque e o desembarque de passageiros. Em dias de fresco a minha preocupação é mais com as crianças. Há pais, casais que passam mal e viajam com crianças e há deles que nem têm forças para segurar o saco. Quando acontece alguma coisa com alguma senhora ou criança, se estamos de serviço, os colegas vão logo chamar. Quando comecei a trabalhar até mesmo de inverno era rara a vez que um colega não me chamasse, ou por causa de uma senhora ou de uma criança.

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