Com a morte de Isabel II voltou ao palco a discussão em torno das virtudes e maleitas da monarquia (e da república). Para mim o importante é a democracia, não o sistema em que se insere, por isso critiquei há uns anos os exageros com que se celebrou o centenário do 5 de Outubro, esquecendo-se que vivemos mais tempo em democracia estando em monarquia que em república (quase metade passada em ditadura). E vemos hoje a demagogia da república a alastrar-se nos Estados Unidos, onde alas conservadoras defendem que o Estado deve ser republicano e não democrático. Ora, preferir uma república a uma democracia é literalmente preferir a Coreia do Norte à Suécia…
A monarquia tem o defeito de não permitir uma democracia plena, na medida em que o chefe de Estado não é eleito, no entanto, como ocorre hoje no Norte da Europa, pode ser bastante mais democrática que muitas repúblicas – e daí preferível. A ideia de que certas pessoas nascem com mais direitos não cabe na sociedade contemporânea, mas se olharmos à nossa volta vemo-lo acontecer na nossa querida república. Em monarquia, dizem os seus defensores, isso pelo menos é assumido e, com as regalias, vêm as responsabilidades e as consequências do seu incumprimento – vejam-se os casos dos proscritos príncipes André e Harry–, sob pena de todo o sistema colapsar. Além disso, se a esmagadora maioria da população defender a manutenção da monarquia, isso não representa que o monarca está democraticamente aprovado? Pegando no caso inglês, a Rainha tinha uma taxa de aprovação média de 75%, valor muito superior ao resultado eleitoral da maioria dos presidentes eleitos. Depois há o caso curioso do Liechtenstein, onde há alguns anos foi a voto a possibilidade de se reforçar ou diminuir os poderes do soberano e o resultado foi uma expressiva intenção no sentido do reforço. O príncipe-soberano ganhou mais poder, mas fê-lo com aprovação popular, podendo perdê-lo por essa via a qualquer momento.
A monarquia vai assim sobrevivendo na Europa na medida em que cumpre pressupostos democráticos. Enquanto o fizer poderá ter hipótese de sobrevivência, mas cada vez menos, pois as novas gerações vão sendo gradualmente menos sensíveis à pompa e circunstância e perdendo assim a ligação afectiva com a Coroa, único garante a sua manutenção no tempo. No passado, esquecem-se os monárquicos, os primeiros reis fizeram-se pela força ou foram eleitos. Dos primeiros não queremos hoje – basta ver a resultado da guerra por conquista de território na Ucrânia a que estamos a assistir – e os segundos chamam-se hoje presidentes. Uma coisa e outra reveste-se de aparato, o republicano normalmente imitando o modelo monárquico, mas com menos esplendor, menos força da tradição e, sobretudo, menos deslumbramento das audiências.
Devíamos por isso deixar de discutir as virtudes da república e celebrar sim os sistemas democráticos, que nos permitem, por exemplo, opinar nas páginas dos jornais. No caso português este processo se iniciou-se com a Revolução Liberal de 1820, cujas comemorações, ao contrário das do centenário a república, têm sido francamente tímidas.
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Em defesa da Língua Portuguesa, o autor deste texto não adopta o “Acordo Ortográfico” de 1990, devido a este ser inconsistente, incoerente e inconstitucional (para além de comprovadamente promover a iliteracia em publicações oficiais e privadas, na imprensa e na população em geral).