Retalhos da nossa história – 293 – A concordata entre a Horta e a Madalena

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No dia 21 de Setembro de 1723 – faz hoje 295 anos – celebrou-se uma “concordata de boa vizinhança, união, paz e concórdia” entre as câmaras da Madalena (fundada em 8 de Março desse ano) e da Horta. Esse documento – que se encontra devidamente arquivado e que tanto Francisco Garcia do Rosário, como Silveira Macedo e Marcelino Lima divulgaram, além de outros que o copiaram nem sempre correctamente – foi feito entre “o Desembargador e Corregedor da Comarca da Madalena, o Doutor Veríssimo de Mendonça Manuel” e o “Capitão-mor da ilha do Faial e Governador desta do Pico, António da Cunha e Silveira, com o mais povo desta vila da Madalena, e do Vereador da Câmara da ilha do Faial, como procurador dela, José de Arriaga”. Esse documento explicitava a salvaguarda dos interesses das populações dos dois concelhos, com subliminar protecção dos bens dos proprietários faialenses que, em contrapartida do auxílio ao novo município, ficavam isentos do pagamento de impostos sobre vinhos, aguardentes e demais frutos produzidos nas suas terras picoenses. Solicitado por José de Arriaga, procurador da Câmara da Horta, esse singular tratado de paz visava consolidar a “boa vizinhança, união, paz e concórdia” que marcara a vida das gentes dos dois concelhos, e procurava assegurar garantias futuras no domínio social e, sobretudo, económico. Por isso, se acrescentava o propósito de que esses povos, tal como viveram no passado, “na mesma forma queiram viver daqui por diante, na mesma tranquilidade, respeitando não só a proximidade que vai de uma à outra vila, mas também as fazendas que a maior parte dos moradores da dita vila [da Horta] têm nesta jurisdição”. Foi, aliás para isso – adianta o documento que vamos seguindo – que os moradores das duas vilas “requereram de novo se criasse esta vila [da Madalena] e a beneplácito de todos foi Sua Majestade servido conceder-lhes esta graça”. Por essa razão, “uns e outros prometeram reciprocamente conservar uma boa vizinhança, com condição que em nenhum tempo lhe poriam tributo nem fintas nas suas fazendas”, sem que fossem previamente consultados e dessem a sua concordância. Em contrapartida, e movidos pela vontade “que sempre tiveram de ver aumentado este lugar em vila”, comprometiam-se em custear metade das despesas com a aquisição das casas da Câmara e cadeias.
Em caso de incumprimento, isto é, se os faialenses faltarem “com a dita sua metade, poderão ser executados pelas justiças da ilha do Faial, respeitando-se os alqueires de vinha que cada um tiver nesta dita jurisdição”. Mesmo assim, “no caso que os moradores e a justiça da dita ilha faltem, poderão as justiças desta vila embargar os frutos das vinhas dos moradores da dita ilha, até se findar a dita casa da Câmara e cadeias”1. As obrigações contraídas pelos faialenses só cessariam com a conclusão daquelas obras. Verdade seja que aquelas demoraram demasiado tempo, apesar de em outra concordata, lavrada quatro anos depois da primeira – precisamente a 2 de Setembro de 1727 – a Câmara da Horta se comprometer “a dar por uma só vez a quantia de 300.000 reis” que era a sua metade da despesa com a construção da casa da Câmara e das cadeias da Madalena” e, em todos os anos seguintes, mais 40.000 reis para melhoria e conservação dos portos daquela vila. A contrapartida era, obviamente, de carácter tributário; os moradores da Madalena não podiam “ em tempo algum, pôr imposto de 2%, finta, sisa ou tributo de qualquer qualidade que seja … sobre as pessoas, bens, propriedades ou frutos de moradores do Faial ou das ilhas circunvizinhas que tiverem na dita jurisdição propriedade de meio moio para cima, nem tão pouco daquilo que se embarcar para o Faial ou qualquer das outras ilhas por qualquer dos seus moradores; o que se não entenderá com os moradores das ilhas vizinhas que na jurisdição da Madalena não possuírem propriedade alguma, porquanto se porá o imposto de 2% sobre tudo o que comprarem e embarcarem para fora da jurisdição para as outras ilhas vizinhas, excepto para o Faial, para onde, quer tenham ou não propriedade alguma na ilha do Pico, gozarão dos mesmos privilégios dessa concordata e amigável composição”2. Quanto aos edifícios para a Câmara e prisão da Madalena, a crónica falta de verbas foi protelando as respectivas construções, não obstante as boas intenções das mencionadas concordatas.
Ainda em 1751 a Câmara da Madalena exigiu, por duas vezes, à Câmara da Horta que lhe pagasse os tais 300.000 reis que prometera em 1727 e, não obstante a intervenção do corregedor, o assunto persistiu insolúvel até 1760. Nesse ano o Município da Madalena adquiriu ao padre Francisco Félix “as casas que hoje servem de Paços do Concelho e Cadeias, que as houve em herança de seu tio, o padre Manuel Gonçalves”. Para este pagamento “pediu a Câmara da Madalena os atrás citados 300.000 reis, que lhe foram entregues, ficando a municipalidade da Horta desonerada da responsabilidade que contraíra por efeito da concordata”3.
Foi uma pendência morosa mas que, finalmente, chegava ao fim. E as relações de boa vizinhança, união, paz e concórdia prosseguiram pelos séculos, mesmo sem mais quaisquer concordatas …

 

(O autor escreve segundo a antiga ortografia)

1B.P.A.R.H. Lv. de Registos n.º8, fls. 52 a 54 e nº 9 da Câmara Municipal da Horta fls182.
2Marcelino Lima, “Anais do Município da Horta”, p.192
3Idem, Ibidem, p.192

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