Retalhos da nossa história – 298 – José Curry da Câmara Cabral: negociante, capitalista e político

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Faialense ilustre e liberal convicto, José Curry da Câmara Cabral nasceu na Horta a 12 de Dezembro de 1789, filho de José Filipe Ferreira Cabral, grande negociante e proprietário, e de Isabel Feliciana Gertrudes Curry.
Casou, em primeiras núpcias, com Ana Córdula de Miranda a 21 de Novembro de 1810 e, por morte desta, com Bárbara Joaquina Street de Arriaga Brum da Silveira.
José Curry da Câmara Cabral foi uma das individualidades de maior destaque do seu tempo. Negociante, proprietário e capitalista, desempenhou os mais importantes cargos políticos, sendo por várias vezes presidente da Câmara Municipal, membro do Conselho de Distrito e da Junta Geral. No exercício dessas funções públicas ou como cidadão empenhado e consciente, Curry Cabral esteve ligado às mais variadas questões de interesse local.
Íntimo amigo do Dr. António José de Ávila, mais tarde Duque de Ávila e Bolama, com ele integrou, a partir de 5 de Outubro de 1831, a primeira vereação municipal da Horta eleita pelos liberais. Dela faziam também parte José de Almeida da Silva, Dr. Tomás de Bettencourt, Nicolau Tolentino de Moura e o tenente-coronel António Garcia da Rosa. Como se sabe ficou presidente da Câmara o Dr. António José de Ávila, então com apenas 24 anos.
José Curry da Câmara Cabral militou na facção setembrista e depois no Partido Histórico. Em 1838 chegou a ser eleito senador pelo distrito da Horta.
Era avô do distinto médico José Curry da Câmara Cabral, patrono do hospital de Lisboa que ainda hoje tem o seu nome.
Cônsul da Rússia, terá sido num dos bailes que ofereceu à oficialidade de um navio de guerra daquele país que a sua filha Carolina Curry e o príncipe Constantino Meschersky se enamoraram, tendo casado no Faial em 15 de Março de 1866, indo depois viver para aquele grande país da Europa Oriental.
Ao longo da vida, José Curry da Câmara Cabral manteve regular correspondência com o seu amigo e correligionário, o Duque de Ávila. Um grande número de cartas – exactamente 110 – encontra-se na Torre do Tombo, nos “Arquivos Particulares Ávila e Bolama”, e abordam os mais diversos assuntos, desde favores pessoais e familiares, até interesses locais e de política nacional.
Apenas dois exemplos do empenho constante na defesa dos interesses da sua terra: um, para a criação do distrito da Horta, o outro na construção da doca no porto faialense, então o mais movimentado dos Açores.
Quanto à criação do distrito da Horta – uma aspiração que fortemente se manifestava desde o triunfo do liberalismo e que para as elites locais significava a libertação política, económica e financeira da asfixiante tutela da Capitania Geral sediada desde 1776 em Angra do Heroísmo – Curry Cabral, que havia sido um dos líderes dessa luta, escrevia em 16 de Abril de 1836 ao deputado António José de Ávila: “Com o maior prazer vi afinal decidida na Câmara Electiva [Câmara dos Deputados] a nossa independência, sentindo que na parte eclesiástica ainda ficasse suspenso, porquanto eliminado o Bispado de Angra, muito poupava a Nação, sendo-nos suficiente os ouvidores com mais amplas liberdades, o que não será mais penoso que ir a Angra, ao mesmo passo que indo ver a Capital, sempre, e só nisso, ganham mais alguns conhecimentos, e ao menos poderão fazer uma ajustada ideia do que é o Mundo” (…) E o regozijo era completo pois, como diz na dita carta, “sabemos mais que passou a mesma medida na Câmara dos Pares e que já subiu para receber a sanção. Assim reputamos definitivamente decidida a nossa sorte e mil louvores dou a V. Exª por seus assíduos trabalhos para o seu vencimento”.
Conquistada a independência de Angra com a criação do distrito da Horta, outra antiga e importante pretensão em que muitos faialenses se empenharam, entre os quais Curry Cabral quando senador em 1838, foi a construção da doca da Horta. A propósito, este excerto de uma carta que em 13 de Fevereiro de 1863 remeteu ao Duque de Ávila, é esclarecedor: “Está V. Exª ao facto das diligências que temos continuado a fazer para conseguirmos a factura de uma doca nesta ilha. Os deputados Peixoto [Manuel Vicente Peixoto] e Guerra [Manuel Alves Guerra] baseados na consulta da Junta Geral, apresentaram um projecto de lei sobre este importante objecto. Do Ministério das Obras Públicas se conseguiu que fosse mandado a esta ilha o major de engenheiros Blanc estudar, confeccionar o plano, e fazer o orçamento da obra, o qual, concluídos os seus trabalhos, segue para Lisboa neste vapor, para apresentar o resultado. É bem patente a V. Exª que a factura de uma doca em Ponta Delgada vem a ruína completa a esta Ilha, que vive do movimento do seu porto, e dos interesses que lhe advém dos navios que o buscam, para refresco ou reparos, como lhe tem ainda agora acontecido com os navios de que incluso envio uma nota. Irão de futuro tais navios buscar tais recursos e remédio a S. Miguel e que será do Faial? (…) Se as diversas tentativas que se tem feito até ao presente hão sido malogradas, não deve por certo falhar esta, favorecida pelas ideias de progresso que hoje tendem a felicitar a Nação, e atentos os sacrifícios que fazemos no meio das calamidades que tanto nos têm oprimido. Não é só a protecção na Câmara dos Pares que vou pedir a V. Exª a bem desta pretensão, mas sim para com os deputados que o respeitam quanto eu sei. Pouco valerei, porém a Pátria implora, e é de vigorosa justiça e será único meio de salvação para ela”.
A ideia da construção que vinha de há muito, conheceu nestes anos grande incremento. E o certo é que, na conjugação de esforços de que esta carta é um exemplo importante, foi publicado, a 20 de Junho de 1864, o decreto que autorizava o Governo a mandar construir o porto artificial na baía faialense. Mais uma vez, porém, tudo ficou adiado. E só doze anos depois, tarde demais para poder competir com a concorrência de Ponta Delgada, é que se deu começo às obras da construção da doca da Horta. 

 

(O autor escreve segundo a antiga ortografia)

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