Retalhos da nossa história – CLXIV – Professor António Pinheiro de Faria

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Diplomado pela Escola Normal da Horta, António Pinheiro de Faria integra a enorme falange de beneméritos professores de instrução primária que tanto labutaram na luta contra o analfabetismo e foram verdadeiros promotores da cultura e do progresso. Nasceu a 7 de dezembro de 1892 na Matriz da Horta, sendo filho de António Silveira de Faria, empregado do comércio e natural de Castelo Branco, e de Leopoldina da Glória de Faria, moradores no Largo do Bispo D. Alexandre1.

Em 1903 matriculou-se pela primeira vez no Liceu, frequentando depois a Escola Normal da Horta cujo curso concluiu em 1915 com a brilhante classificação de 20 valores. Porque a vida era difícil, desde cedo teve de entregar-se ao trabalho, fazendo-se tipógrafo nas oficinas gráficas de António Baptista, porventura o mais brilhante jornalista faialense que foi, também, destacado escritor, encenador e ator dramático. António Faria, discípulo aplicado e inteligente, depressa seguiu as pisadas do mestre, dando largas ao seu indiscutível talento. Logo em 1908 é ele um dos responsáveis do jornal “O Liceu da Horta”, e no ano seguinte o seu nome figura no cabeçalho de “O Espadarte”, a par de Henrique Macedo e de Manuel Saldanha. Em 5 de Julho de 1914 surge como diretor, editor e proprietário de “O Eco”, semanário que não tendo “intento em embrenhar-se no dificultoso e ingrato campo da política”, desejava “apenas tratar dos interesses do distrito”, e, como tal, iria repercutir “o brado deste povo que bem digno é de ser olhado com mais atenção nas suas justas reclamações”, para que lhe seja proporcionado “o progresso e o bem-estar” de que anda afastado. Para quem asseverava nada querer com o “campo da política”, esta era uma linha programática que abertamente contrariava semelhante propósito. Seria, aliás, a política e a amizade com António Baptista que trariam a António Faria os maiores dissabores, começados quando assumiu a 9 de março de 1924 a direção do semanário O Fayalense (5.ª série) de que aquele era proprietário e que culminaram com a sua deportação para a cidade de Angra em 1927. Teve por companheiros cinco conhecidos e destacados republicanos faialenses que, como ele, não pactuaram com a ditadura nacional implantada em 28 de Maio de 1926 e eram declarados opositores do Partido Regionalista liderado pelo astuto e poderoso médico Dr. Manuel Francisco das Neves Júnior. Eram eles: Dr. Manuel José da Silva, deputado independente do PRP na legislatura de 2 de Dezembro de 1925; Dr. Gabriel Baptista de Simas, professor do Liceu da Horta e ex-governador civil; Dr. Joaquim Gualberto da Cunha Melo, médico, facultativo municipal e também ex-governador civil; tenente Augusto Carlos Pinheiro, comandante da Companhia n.º 4 da Guarda Fiscal e o engenheiro António Marcelino Gonçalves, chefe da Circunscrição Florestal. Opositores do novo regime, a que aderira o partido do Dr. Neves, estes cidadãos discordavam da maneira como se fazia – ou melhor não se fazia! – a reconstrução do Faial largamente destruído pelo terramoto de 31 de agosto de 1926. Porta-voz das posições deste grupo era o semanário O Fayalense dirigido pelo então inspetor escolar António Faria e ainda propriedade de António Baptista, o célebre polemista que desde há anos atacava violentamente o Dr. Neves e as suas presumíveis negociatas políticas e que só não foi detido porque estava à beira da morte que aconteceu a 27 de junho de 1927. Presos a 2 de março, sem culpa formada e sem jamais lhes ser revelado o motivo da detenção, estes seis republicanos acabaram por ser deportados para Angra do Heroísmo no dia imediato e aí permaneceram, em regime de residência fixa e apresentação à autoridade, durante algum tempo. Vítimas das prepotências do poder ditatorial – personificado no Alto-comissário Mouzinho de Albu-querque, no governador civil capitão Soares de Mesquita e no influente Dr. Neves – eles sofreram, além do exílio, prejuízos de monta nas suas vidas e profissões.

Foi o caso do Professor António Faria que se viu exonerado do cargo diretivo que exercia, regressando, todavia, ao exercício do magistério, agora na escola da Matriz da Horta. Ele que começara a carreira docente, após a sua formatura em 1915, na escola oficial do sexo masculino da Lombega, freguesia de Castelo Branco, sítio de nascimento de seu pai e também da jovem D. Maria Clementina de Freitas com quem casou a 16 de junho de 1917. Nessa localidade, onde, com pequenas intermitências, trabalhou durante 10 anos (1915-1925), foi o educador da mocidade e o professor sabedor e culto que desenvolveu verdadeira obra de promoção cultural e cívica. Valeu-se, para tanto, da sua já vasta experiência na imprensa e nas atividades teatrais que, desde novo, cultivara com os melhores jornalistas e dramaturgos faialenses, com especial relevância para o maior de todos eles – o consagrado António Baptista. Era ainda um jovem quando, a 26 de Janeiro de 1908, se estreou nos palcos, no drama “Último Amor”, obra de Baptista, atuando ao lado deste, de Joaquim Viana, Manuel Saldanha, D. Lucília Baptista e D. Ercília Baptista. Desde então e até 1917 António Faria esteve sempre presente nos espetáculos teatrais que se realizaram no Teatro Faialense, interpretando papéis em cerca de 18 peças, entre dramas e comédias, escritas ou adaptadas por autores locais, designadamente pelo incontornável António Baptista e também por Marcelino Lima, Humberto Cunha Correia e Osório Goulart2.                 Na Lombega pôs a render, em benefício da comunidade, todo esse manancial de conhecimentos ensaiando e apresentando saraus, festas educativas e espectáculos, alguns deles com exibições no Teatro Faialense. A ele se deve a fundação da Sociedade Educativa, Recreativa e Musical – Tuna Liber-dade, infelizmente já desaparecida. Conta o professor Júlio Andrade, seu colega de curso e amigo de toda a vida, que, apesar de estarem a trabalhar em freguesias separadas, organizaram na Lombega um espetáculo que constava de duas operetas originais: Entre Faieiras, em 3 atos, com música e letra de António Faria e Campestres, em 1 acto, sendo Júlio Andrade o autor dos versos e da música. Exibidas naquela agremiação albicastrense, viriam a ser apresentadas no Teatro Faialense e no Cais do Pico e Velas de S. Jorge3. Já colocado na cidade, exercendo o magistério na escola masculina da Matriz, não abandonou os amadores teatrais da freguesia de Castelo Branco que a 19 de março se apresentaram no Teatro Faialense “com a peça em 1 ato ‘Campestres’ de Júlio Andrade e ‘Cenas da aldeia’, em 4 atos, de António Faria, que repetiram em 22 do mesmo mês. Além do exercício da docência, do jornalismo e do teatro, também se deve ao professor António Faria a introdução do escotismo no Faial. Foi ele o fundador, chefe e animador do Grupo 43 dos Escoteiros de Portugal que nasceu na própria escola da Matriz em 1932 e que depois teria sede própria (ruas de S. João e D. Pedro IV), Boletim e Grupo Dramático, suscitando fortes entusiasmos, sucedendo-se as récitas e os acampamentos.

A partir de 1935 o professor António Pinheiro de Faria passou a pontificar na freguesia das Angústias quando criou o grupo de teatro do Atlético. A acção que ali desenvolveu constituiu “a mais brilhante época da vida cultural do popular clube, à qual se associou um magnífico friso de amadores teatrais” que proporcionaram à sempre numerosa assistência “noites inolvidáveis”, de tal modo que “a capital artística da Horta situou-se então nas Angústias”4. Mas, ao findar o ano de 1939, o contributo do professor Faria no teatro e na música, cessou abruptamente pois uma infrutífera operação por descolamento da retina provocou-lhe a cegueira total. Mergulhado em profundas trevas, com apenas 47 anos de idade, teve de deixar também o ensino oficial, mas não soçobrou perante tamanho infortúnio, já que continuou a exercer o magistério como explicador particular.

Deixou impressas três obras: Ensaios, livro de contos, O Primeiro Livro da Escola: Método para o ensino inicial da leitura e Alma Infantil. Escreveu também para o teatro: Entre Faieiras, peça em 3 atos, e Cenas de Aldeia, comédia em 4 atos, além de muitas produções, em prosa e em verso, dispersas pelos jornais. 

Do seu casamento com D. Maria Clementina de Freitas tivera duas filhas, ambas professoras: D. Maria Clementina de Faria e D. Isabel de Faria. A morte da esposa a 27 de abril de 1955 e a transferência das filhas para o Continente, forçaram-no a abandonar o seu querido Faial em setembro desse mesmo ano. Faleceu na freguesia de Carnaxide, concelho de Lisboa, a 27 de janeiro de 1969.  

   

 

 

 

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