Retalhos da nossa história – CXCI – Victor Lemos e Silveira, operário prestigiado e republicano histórico

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Paladino dos ideais republicanos em plena monarquia e defensor integérrimo dos operários e das classes mais desfavorecidas conta-se Victor Amadeu de Lemos e Silveira, um faialense quase esquecido actualmente. 

Nascido na Matriz da Horta a 24 de Março de 1862, era filho de Arnaldo José da Silveira e de Maria Leopoldina Constança de Lemos e Silveira. Numa época em que grassava o analfabetismo e poucos passavam da instrução primária, ele frequentou o Liceu da Horta, ali se matriculando pela primeira vez no ano de 1876, tendo sido contemporâneo de alguns que viriam a destacar-se em diversos sectores de actividade, casos do historiador António Ferreira de Serpa, dos magistrados e políticos José Machado de Serpa e Urbano Prudêncio da Silva, do oficial do exército Manuel Goulart Cardoso ou do agente do Banco de Portugal Manuel Joaquim da Silva Meneses. 

Victor de Lemos e Silveira, que se quedaria pela sua terra natal, optou pela imprensa e pelo cooperativismo, deixando marcas profundas em organismos mutualistas e na luta pela implantação do regime republicano.

Tipógrafo, depois da conclusão do curso liceal, Lemos e Silveira seria proprietário de uma pequena gráfica – inicialmente designada com o seu nome e posteriormente apelidada “A Liberdade” – onde se editaram desde os anos setenta do século XIX vários periódicos, como o “Birimbau”, de cariz satírico, “O Raio”, de carácter político, “O Furta Fogo”, e semanário republicano “O Democrata”. 

Este, que foi o primeiro jornal de oposição aberta ao regime monárquico, surgiu na cidade da Horta a 4 de Janeiro de 1885. Definia-se como “Semanário do Partido Republicano Federal da Horta”, atacava o que considerava “malefícios da monarquia”, com especial incidência “nos nossos homens de Estado” que “embrenhados em discussões parlamentares estéreis, em reformar códigos, em fundar e acumular leis, só têm pensado em si, em desenvolver e privilegiar a classe burocrática; e o povo que sue e pague”. Para que esta situação dramática tivesse fim, “O Democrata” propunha uma terapêutica radical que só seria aplicada com a subida ao poder do partido republicano, pelo que era urgente “desenvolver e vulgarizar na Horta os princípios da sã democracia que são na prática as legítimas aspirações dos homens honestos e esclarecidos do século XIX”. Um dos vários cidadãos que deram vida àquele semanário republicano que durou até finais de 1887 foi, com toda a certeza, Victor Amadeu de Lemos e Silveira, apesar de jamais aquele periódico haver inserido qualquer ficha técnica que esclarecesse quem o possuía e quem o redigia. Apenas trazia a indicação de que era impresso na “Tipografia de Victor A. de Lemos e Silveira” sediada inicialmente na “rua D. Pedro IV, n.º 33 – Loja” e instalando-se depois “na rua de S. João n.º 45 – Loja”, precisamente na residência onde ele nascera e onde residia1. Nem “O Democrata”¸ nem os outros periódicos faialenses daquela época, apontam quem eram os republicanos faialenses. Sabe-se, porém, que pouco depois do Ultimato de 1890 – essa enorme afronta que a Inglaterra fez a Portugal e que desencadeou uma onda geral de indignação, habilmente aproveitada pelos opositores da monarquia – 25 cidadãos hortenses manifestaram publicamente a sua adesão ao chamado “Manifesto do Partido Republicano Português” convencidos que estavam da “urgente necessidade de realizar as indispensáveis reformas económicas, políticas e financeiras, sem as quais terá o país a perder inevitavelmente a sua autonomia”. Liderados pelo velho republicano António Gonçalves Viana da Silva, lá encontramos diversos negociantes, proprietários, farmacêuticos, artistas, o fotógrafo Manuel Inácio Pacheco e, claro, o “tipógrafo Victor de Lemos e Silveira”2. 

Sem ter ocupado cargos políticos de destaque, mesmo depois de 5 de Outubro de 1910, ele, que “era um belo carácter e um verdadeiro homem de bem” , foi o principal impulsionador da “Associação de Socorros Mútuos Artista Faialense” (1905), da “Sociedade Cooperativa Previdência Operária” (1907) e da “Caixa Económica da Sociedade Cooperativa Operária” (1912). Estas instituições, norteadas pelo profundo espírito cooperativista então prevalecente, eram constituídas por operários e tinham como objectivos principais auxiliá-los em situações de desemprego, na assistência médica e medicamentosa e, em caso de falecimento, subsidiar as respectivas famílias. Além destes “socorros mútuos”, a Previdência Operária estabelecia estatutariamente que o “fim da sociedade [era] o fornecimento de pães, massas e carnes para consumo dos sócios, tendo estes o desconto de dez por cento no preço corrente do pão, e da carne o que a direcção determinar em vista do preço do gado” e, ainda, de “géneros para consumo e exercício das profissões dos sócios” . Pouco depois alargaria o seu âmbito, passando a ser “um conjunto de estabelecimentos de crédito, de indústria, comércio, de edificações, de seguros, de instrução e de vários serviços de necessidade e conveniência colectiva e individual”. Durante algumas décadas do século XX, tanto a “Cooperativa” como a “Caixa Operária” (assim designadas pela população) prestaram relevantes serviços não só aos sócios mas também a toda comunidade faialense, até que no final da centúria, asfixiadas por constantes dificuldades, tiveram de ser alienadas. 

Ficou, porém, o valor destas iniciativas do operariado faialense, com especial relevo para Victor Amadeu de Lemos e Silveira um dos seus fundadores e o mais prestigiado vulto do espírito associativo faialense. Além dos cargos que periodicamente exerceu na “Associação de Socorros Mútuos” e na “Previdência Operária”, foi também membro da mesa administrativa do “Asilo da Mendicidade” e presidente da comissão paroquial republicana da Matriz da Horta. 

Por ocasião dos festejos do primeiro aniversário da proclamação da República, um jornal faialense relata-nos este episódio que, mesmo descontando algum exagero laudatório, testemunha a consideração em que era tido: “Domingo à noite [dia 8 de Outubro], no largo da República, ante a grandiosa manifestação republicana, o sr. dr. Alberto Goulart de Medeiros fez subir o sr. Victor de Lemos e Silveira ao coreto, onde se encontravam os srs. governador civil, comandante da canhoneira ‘Açor’ e Machado Tristão, apresentando-o em termos sinceros e vivos como o iniciador na Horta da solidariedade operária e fundador da respectiva associação, rapaz modesto, mas a todos os respeitos, digno, inteligente, probo, verdadeiro socialista de coração e de carácter”5.

Vitimado por “debilidade senil”, faleceu a 13 de Julho de 1927. Era solteiro e contava 65 anos. 

Sepultado no cemitério do Carmo, os seus companheiros de ideais ergueram-lhe um mausoléu, que, hoje, apesar de já gasto pelo tempo e pelo abandono dos homens, ainda nos permite decifrar que “Aqui jaz o grande propagandista da emancipação operária na ilha do Faial/ Victor de Lemos e Silveira”  

 

(O autor escreve segundo a antiga ortografia)

1 Cf. Ribeiro, Fernando Faria, O Democrata – primeiro jornal republicano no Faial, in Boletim do NCH, 2010

2 Portugal, Madeira & Açores, 27 Junho 1892 

3 A Democracia, 14 Julho 1927

4 Vd. Livros 270 e 280 do notário Domingos Machado Soares, respetivamente fls. 12-v a 20-v e 17c-v a 23

5 Justiça, 11 Outubro 1911

 

 

 

 

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