A Conservatória do Corvo continua encerrada

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A Conservatória do Registo Civil, Predial e Cartório Notarial do Município do Corvo está encerrada, desde meados do mês de setembro, devido ao facto de a única funcionária em exercício de funções estar ausente por doença (funcionou apenas dois dias ao longo de todo este período). A inércia e o desleixo de quem tutela o serviço é tanta que a mesma não foi substituída ao longo do período em causa.

Esta situação prejudica gravemente a população da ilha do Corvo, que está assim impedida de proceder a um grande conjunto de atos legais, alguns de carácter muito urgente. Tenha-se em conta que o registo civil é obrigatório e os factos sujeitos a registo só podem ser invocados depois de registados.
Refira-se ainda que a única funcionária que exerce funções, de forma permanente, na Conservatória do Registo Civil, Predial e Cartório Notarial do Município do Corvo, não está autorizada a realizar testamentos públicos, assim como, de uma forma geral, todos os atos em que seja necessário interpretar a vontade dos interessados ou esclarecê-los juridicamente.
A questão dos testamentos públicos é de tal forma sensível que, em situações urgentes, o Código Civil prevê que os mesmos possam ser realizados a bordo de navios ou de aeronaves (artigos 2214.º e 2219.º). De tudo isto resulta que até os passageiros de aviões e navios têm este direito legal assegurado, algo que o Estado não assegura e garante – como é sua obrigação legal – aos 459 habitantes da ilha do Corvo.
Trata-se de uma situação inaceitável. A origem do problema está, em parte, nas sucessivas mobilidades que são concedidas à única funcionária que exerce as funções de Conservador da Conservatória do Registo Civil, Predial e Cartório Notarial do Município do Corvo. Existindo apenas um Conservador no quadro de pessoal da Conservatória do Registo Civil, Predial e Cartório Notarial do Município do Corvo, é óbvio que tal mobilidade não deve ser concedida, a menos que seja possível assegurar a sua substituição, algo que, como é notório, não sucedeu no caso em apreço.
Esta situação configura uma deserção do Estado em relação a um território e a uma população periférica e desprotegida do país. A verdade é que não foram ativados, por parte das entidades competentes, os procedimentos legalmente previstos para garantir o funcionamento da Conservatória do Registo Civil, Predial e Cartório Notarial do Município do Corvo.
Esta deserção do Estado restringe, na prática e na substância, os direitos de cidadania da população do Corvo e dificulta o seu acesso ao quadro legal e à proteção e segurança jurídica que o mesmo estabelece. A ausência do registo civil vulnerabiliza a vigência do Estado de Direito no território afetado.
Trata-se de uma competência do Estado português e por isso a capacidade de intervenção dos órgãos de governo próprio da Região Autónoma dos Açores está limitada. Neste sentido, a resolução desta questão é mais difícil para os eleitos locais. Apesar de tudo, o Parlamento dos Açores aprovou, por unanimidade, uma Resolução que exige que o Estado solucione a questão com urgência.
Dois meses depois da aprovação da Resolução no Parlamento dos Açores, Lisboa não disse e não fez nada. Não lhe interessa minimamente o que possa suceder aos 459 habitantes da ilha. Não lhe interessa os graves prejuízos que a sua negligência causa a tantos cidadãos.
O que eles não se esquecem é de cobrar impostos. Estes chegam pontualmente e sem falhas. No cálculo do valor destes e no âmbito da observância dos respetivos prazos legais, não lhes interessa que a repartição de finanças do Corvo funcione apenas 4 ou 5 dias por mês ou que a Conservatória esteja encerrada desde setembro do ano passado.
Na República de Lisboa e arredores, ninguém se interessa pelo que acontece numa pequena ilha perdida no Atlântico. Os políticos estão mais preocupados com as jogadas palacianas em voga e em seguir atualidade política ditada pelas televisões locais. Estes, a menos que aconteça qualquer coisa verdadeiramente dramática no interior do país ou nas ilhas – incêndios florestais ou sismos – “estão-se verdadeiramente nas tintas” para o que acontece ou deixa de acontecer num raio superior a 50 quilómetros da velha capital imperial.
Enquanto Lisboa se diverte com banalidades e boçalidades, a Conservatória do Registo Civil, Predial e Cartório Notarial do Município do Corvo continua encerrada e a população desprezada. O Estado não fez nada e nada fará enquanto o tema continuar invisível nas televisões. A ilha do Corvo fica, de facto, muito longe da Avenida da Liberdade ou do Terreiro do Paço.
A negligência de Lisboa em relação às suas responsabilidades legais e constitucionais no que diz respeito aos portugueses dos Açores é algo que me deixa profundamente irritado. Infelizmente, o atual poder autonómico não tem qualquer ambição de aprofundamento do autogoverno dos Açores. São uns “moscas mortas”. O que é dado como adquirido é sempre desprezado. Estou convencido que o que Lisboa está a precisar, “como de pão para a boca”, é de um grande susto nos Açores. 

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