“RESSUSCITEM“ A ESPALAMACA!!!

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As antigas “Lanchas do Pico” e os “Barcos do Pico” constituem, penso que inquestionavelmente, um dos mais importantes, unificadores e abrangentes valores do nosso património e da nossa história, porquanto desempenharam um papel “arterial” incontornável (e, durante muito tempo, quase único) na nossa economia, comércio, indústria e turismo… e, a vários outros níveis, nas nossas vidas.

Para além das componentes “objectivas” (estatísticas, estéticas, históricas, etc.), por si só já plenamente justificadoras de uma preservação orgulhosa, cuidada e digna, a “Calheta” e, sobretudo, a “Espalamaca” encerram uma dimensão imaterial/humana e são um repositório tão grande das nossas vivências que as tornam, talvez, na mais emblemática materialização da permanente e vital “umbilicalidade” entre as populações destas ilhas irmãs e foram, ainda, um importante elo de ligação entre todo o grupo central, que muitas vezes uniram em excursões festivas e preocupantes evacuações para o Hospital de Angra do Heroísmo.

Importa lembrar, não só para os mais novos mas, e sobretudo, em jeito de ”refresh” mental e afetivo, os nossos “sazonalmente amnésicos” responsáveis políticos locais e regionais, de que estas esteticamente belas e nauticamente excelentes embarcações foram concebidas, construídas e melhoradas pelos nossos empreendedores, laboriosos e talentosos antepassados/artistas e que foram operadas, na tempestade e na bonança por uma marinharia muito nossa, competente, tenaz, corajosa… e inúmeras vezes abnegadamente heróica, capaz de arriscar as próprias vidas em favor da possibilidade de salvar as nossas, em evacuações médicas sob condições meteorológicas impossíveis.

Reavivem um pouco a memória!!! Foram elas que nos transportaram -e aos nossos bens- com pontualidade e segurança, durante largas décadas… levaram-nos para trabalho, estudo e lazer… foram o primeiro “trampolim” para quase todos os nossos curtos ou largos “voos” e altos ou rasantes regressos… levavam e traziam as nossas alegrias e as nossas tristezas…  as nossas esperanças e as nossas desilusões…  as nossas vitórias e as nossas derrotas… as nossas angústias e os nossos alívios… os nossos amores e as nossas desavenças…  as nossas doenças e as nossas convalescenças… enfim, foram uma parte integrante e indissociável de nós próprios, da nossa vida e, por vezes, da nossa morte…

Por isso, nesta altura em que se constatam as primeiras movimentações para a recuperação/musealização da “ESPALAMACA” debato-me perante sentimentos contraditórios… por um lado, alguma alegria porque algo está a ser feito… e por quem está a ser feito (um dos nossos últimos “artistas” na construção naval em madeira, MESTRE João Alberto Nevos) … por outro, assola-me UM FORTE E AMARGO “SABOR A POUCO”, ao constatar que não há aqui uma perspectiva de “ressurreição”, mas apenas o doloroso “embalsamar”, numa “iconização barata” e talvez por um período efémero, de um “cadáver” de algo que penso tanto dizer à minha geração e às anteriores.

Como eu, muita gente estará certamente a sentir, para além de uma nostalgia até agora sonhadora, uma enorme tristeza por saber que talvez não voltemos a ver a beleza leve e graciosa das “Lanchas do Pico” a sulcar os nossos canais…

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Mas… TERÁ MESMO QUE SER ASSIM???  NÃO TEREMOS CAPACIDADE DE MOBILIZAÇÃO, DE ORGANIZAÇÃO OU IMAGINAÇÃO PARA REVITALIZARMOS/REAPROVEITARMOS A “ESPALAMACA”?

Seremos incapazes de ultrapassar o nosso imobilismo e de nos organizarmos com vista a encontrar uma solução abrangentemente partilhada para assegurar e manter realmente viva a “ESPALAMACA”, não deixando apenas na mão dos nossos políticos as decisões e os custos de uma solução mais ambiciosa?

Vem-me à cabeça, de uma forma “avulsa” e talvez “romântica” (porque não sustentada nem “amadurecida” em termos de enquadramentos formais e/ou viabilidades legais) algumas possibilidades:

 Porque não é constituída uma “fundação”, “associação” ou algo afim, englobando a nossa população local e emigrada que queira participar neste processo, sob a forma de associados cotizados, beneméritos, ou “mecenas”, patrocinadores privados, as nossas quatro autarquias (que, triste e inexplicavelmente se tem alheado quase totalmente deste processo), a DRAC, a Portos dos Açores e a Transmaçor /Atlânticoline, que poderia ficar com a gestão operacional da “exploração” da lancha? Parece-me que os custos de uma reabilitação total e de manutenção/conservação, embora sendo elevados não são de modo algum “astronómicos”, se divididos por um número alargado de parceiros.

Utilizações eventualmente possíveis,  poderiam passar pela realização de viagens secundárias do horário regular e extraordinárias no canal, mais “económico/ecológicas”, sempre que o tempo o permitisse e o número de passageiros não justificasse o movimento das suas irmãs maiores e muito mais gastadoras/poluidoras; por fretamentos; turismo em passeios costeiros; lancha VIP de autarquias e entidades; acompanhamento pagante de eventos náuticos nos nossos portos do triângulo (regatas de botes baleeiros, de iates, outros), etc., etc.

Afigura-se-me que uma exploração criativa e polivalente deste “pedaço da nossa vida”, se devidamente promovida e com um forte ênfase no carácter museológico e afetivo desta lancha, mesmo não sendo eventualmente rentável do ponto de vista comercial (e isso não está provado…), não resultaria certamente em encargos que, partilhados por todos, fossem incomportáveis… e todos poderíamos voltar a ver imagens tão belas como a que ilustra este escrito… e de desfrutar, como antigamente, o nosso canal numa bela viagem de Verão.

 

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