Retalhos da nossa história – CCXLV – Quando ressurgirá o Museu de Arte Sacra da Horta?

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Dando deferimento ao pedido do padre Júlio da Rosa, então vigário cooperador da paróquia das Angústias, historiógrafo e apreciável colecionador de documentos, o bispo da diocese de Angra, D. Manuel Afonso de Carvalho, por alvará de 16 de Agosto de 1963 criou, “nos anexos do Convento de S. Francisco ” o Museu de Arte Sacra e Etnografia Religiosa, “ a fim de lá serem recolhidas todas as obras de arte pertencentes às igrejas do distrito da Horta”. Nesse documento o prelado determinava que “todos os objectos recolhidos e devidamente catalogados, pertencerão sempre às igrejas donde forem recolhidos, ficando bem explícita a origem de cada objecto”, e autorizava os párocos “a enviar para o referido museu todos os objectos que sejam reputados impróprios para o culto nas respectivas paróquias” proibindo expressamente “toda e qualquer transacção, a título gratuito e oneroso, dos objectos recolhidos”.

Inaugurado solenemente em 31 de Maio de 1965 pelo mesmo antístite, o espólio daquele Museu – que até à década de 90 do século XX sempre funcionou em dependências da igreja de São Francisco – tem, de acordo com fonte credível, quádrupla proveniência:

 – objectos e estatuária retirados do culto e pertencentes àquela igreja e à capela e anexos da ordem terceira franciscana;

– objectos recolhidos em igrejas do ex-distrito da Horta;

– imagens, artigos sacros e outros objectos sagrados obtidos, por compra e/ou oferta, pelo instituidor daquele Museu;

– objectos de arte sacra adquiridos em Portugal e no estrangeiro pelo Museu Regional da Horta, criado pelo DRR nº 21/77 e que teve como primeiro director o padre Júlio da Rosa.

Esta circunstância de ser a mesma personalidade a dirigir as duas instituições – uma pública e outra eclesial – nunca terá sido devidamente clarificada, já que seria ténue a fronteira entre os dois museus. O certo, porém, é que até 1991 eles foram crescendo, o de Arte Sacra sediado sempre em São Francisco e o Museu Regional em parte da ala sul do extinto Convento dos Jesuítas.

Todavia, as grandes obras de consolidação e restauro da Matriz do Santíssimo Salvador realizadas em 1991/92, obrigaram a que o serviço religioso desta paroquial fosse transferido para São Francisco. Este facto limitou bastante o espaço ocupado pelo Museu de Arte Sacra da Horta com parte do seu espólio exposto na Capela dos Terceiros Franciscanos, outra depositada na Igreja do Carmo e ainda outra arrumada em locais sem condições ambientais de conservação e de restauro.

Com a argumentação de que o espólio sagrado do Museu estava crescendo cada vez mais e que não caberia naquele templo (e anexos) – mesmo quando ele deixasse de estar ao serviço da paróquia da Matriz – o seu director encetou várias diligências, sendo uma das principais a que propunha ao Governo Regional a disponibilização de uma casa condigna para instalação daquele Museu, bem como o registo, a conservação e exposição das peças com a segurança devida. E a verdade é que não demorou muito para que o Executivo dos Açores adquirisse, através da Secretaria do Turismo e Ambiente, o edifício nº 18 da Rua Conselheiro Medeiros, nele realizasse diversas obras e adquirisse bens e serviços para a desejada e condigna instalação daquele espaço museológico.

Curiosamente – e apesar do espólio deste pertencer a quatro proprietários – uma Resolução da Presidência do Governo de 13 de Março de 1997 ao determinar que “a gestão do Museu terá em conta a frequência predominantemente turística do mesmo, assegurando as melhores condições de visita e informação turísticas, em termos a estabelecer por protocolo entre as Secretarias Regionais da Educação e Assuntos Sociais e da Economia” evidencia que a sua fundadora – a diocese de Angra – parece ter abdicado de ser a primeira responsável daquela instituição.

Motivos certamente relevantes, terão impossibilitado a instalação do Museu de Arte Sacra naquele imóvel. Todavia, pouco tempo depois, e em consequência do devastador sismo de 9 de Julho de 1998 – que, recorda-se, destruiu e danificou muitas casas e várias igrejas – o Governo Regional viu-se envolvido na reabilitação da imponente e muito arruinada Igreja do Carmo, (propriedade da Ordem Terceira Carmelita de que era Comissário o Pe. Júlio da Rosa) sendo destinada à instalação do mencionado Museu de Arte Sacra. As obras, na ordem de muitos milhares de euros, começaram em 1999, no seguimento de um protocolo celebrado entre o Governo Regional e a Ordem Terceira do Carmo, comprometendo-se o Executivo dos Açores “a suportar 75% dos encargos com as obras, ou seja, cerca de um milhão e 500 mil euros” financiando a Ordem os restantes 25%, “o que representaria um investimento superior a 600 mil euros”.

De acordo com a uma reportagem do diário faialense Incentivo de 28/07/2005, “a intenção era não apenas recuperar o imóvel, que se encontrava em estado de degradação, mas também transformá-lo num Museu de Arte Sacra, de forma a recolher todo o espólio religioso existente na ilha”. As obras a cargo de uma conhecida empresa de construção civil foram interrompidas porque, “alegadamente a Ordem Terceira do Carmo não tinha como pagar a sua parte dos trabalhos”. Este facto – que naturalmente era já uma evidência em 1999 – terá sido comunicado oficialmente ao Executivo açoriano pelo Pe. Júlio da Rosa em 2004, “solicitando que o Governo custeasse toda a obra”. Acedendo ao pedido, o director regional da Cultura, entrevistado pela RDP/Açores, informou que o Governo decidira suportar “os restantes 633 mil euros do custo total da obra, metade dos quais foram entregues no decorrer de 2004 e a outra metade a ser paga este ano” (2005). Mesmo assim, as obras jamais acabaram, o templo continuou fechado e a degradar-se, faltando ainda – segundo o mesmo jornal – “adaptar o imóvel a Museu de Arte Sacra e instalar no seu interior todo o espólio que se encontra amontoado na Igreja de São Francisco”.

Procurando ultrapassar este impasse – que tem muito de enigmático! – o grupo parlamentar do Partido Socialista apresentou na Assembleia Legislativa dos Açores, em 20 de Novembro de 2006, um projecto de resolução recomendando ao Governo Regional dos Açores que promovesse “junto da Ordem Terceira do Carmo a transferência para o património da Região da igreja do Carmo tendo em vista a conclusão da sua recuperação e necessária adequação para aí instalar o Museu de Arte Sacra”. Apreciado na Comissão de Assuntos Sociais – a qual, para tanto, procedeu à audição do secretário regional da Presidência, do director regional da Cultura, do vigário geral da Diocese e do comissário da Ordem Terceira do Carmo – mereceu parecer favorável, embora com uma breve, mas significativa, proposta de alteração ao projecto, onde a expressão “transferência para o património da Região” era substituída por “cedência”. Era, convenhamos, uma posição aberta e construtiva que “forçava” o Governo Regional à recuperação total daquele majestoso imóvel e, através de um qualquer protocolo de cedência precária, permitiria que nele fosse instalado o Museu de Arte Sacra, ficando salvaguardada a celebração de actos litúrgicos em dias e festividades especiais como Páscoa, Natal, novenário e festa de Nossa Senhora do Carmo.

Infelizmente e por motivos que desconhecemos aquele documento não chegou a ser apreciado no plenário do órgão legislativo açoriano, perdendo-se assim uma excelente oportunidade para regenerar aquele bonito templo e revitalizar o Museu de Arte Sacra da Horta.

Agora, que se anuncia a restauração do Quartel do Carmo, através do projecto nacional REVIVE, seria recomendável que os responsáveis políticos e eclesiais se empenhassem na total reabilitação da Igreja do Carmo, recuperando-se a oportunidade perdida em 2006 de forma que todo aquele conjunto arquitectónico seja preservado e valorizado. É que ele, com o Museu de Arte Sacra, constitui, indubitavelmente, um componente relevante da nossa identidade histórica, cultural e social. Seria imperdoável que não o salvaguardássemos e não o dessemos à fruição de residentes e visitantes.

(O autor escreve segundo a antiga ortografia)

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