Retalhos da nossa história – CLXVI – Professor Constantino Magno do Amaral Júnior

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Pedagogo, jornalista, escritor teatral, orador e musicólogo, o professor Constantino Magno do Amaral Jr. faz parte, por mérito próprio, da plêiade de diplomados pela Escola Normal da Horta (1900-1926) que bastante contribuiu para o desenvolvimento cultural e social das comunidades que serviram.

Faialense, nascido na freguesia da Praia do Almoxarife a 14 de outubro de 1894 era filho de Maria Cristina Amaral, que lhe ministrou as primeiras lições de música, e de Constantino Magno do Amaral, professor primário e complementar, cantor de capela, músico e um dos fundadores da “Unânime Praiense”. 

Constantino Amaral Jr. começou a tocar nesta filarmónica com 13 anos e aos 15 foi seu regente. Tinha essa idade quando se matriculou no 1.º ano da Escola Normal, curso que concluiu com distinção a 5 de Julho de 1913 obtendo a classificação de 19 valores. Começou logo a exercer o magistério, como professor interino na escola da Matriz, passando depois para a do Cascalho, freguesia dos Cedros, em virtude de provimento temporário mediante concurso. Entretanto, casou-se com a colega de curso D. Teresa dos Santos Freitas, natural da Piedade do Pico, tendo esta editado, em 1934, uma “Cartilha para a Infância”.

Com a entrada de Portugal na 1.ª Guerra Mundial, o professor Constantino Amaral Jr. teve de cumprir o serviço militar, primeiro em Lisboa e depois, já aspirante e alferes miliciano, no Batalhão de Infantaria 22, no Faial. Passando à disponibilidade voltou à sua escola do Cascalho e foi ali, e nas outras em que prestou serviço, que desenvolveu uma intensa e meritória actividade educativa, não só no ensino, mas também na oratória, na música, no jornalismo e no teatro. Ele foi, com os padres José da Rosa Dutra e Francisco Vieira Soares e com os professores João Pereira Dutra Júnior e Manuel de Ávila Coelho, fundador e dinamizador, no ano de 1927, da “Associação Educativa União e Progresso Cedrense”, do “Grupo de Teatro” e da filarmónica “Lira Campesina Cedrense”, tendo sido ensaiador dos novos músicos e seu primeiro regente, para a qual compôs o hino social e diversas marchas. Na mesma localidade, esse mesmo grupo fundou, em 1928, a revista quinzenal “O Eco Cedrense”, de que foi redator, desde a primeira hora e onde se manteve até ser transferido para a escola da Matriz da cidade da Horta. Antes disto, havia sido nomeado – a 2 de março de 1927 – Inspector Escolar interino, passando a efetivo em 27 de abril  de 1933, não sem antes ser forçado ao abandono do cargo por razões de natureza estritamente política.

É que, por esse tempo, o professor Constantino Amaral Jr., que desde a primeira hora aderira ao movimento revolucionário de 28 de maio de 1926, ocupava o cargo de presidente da comissão concelhia da União Nacional que, à época e até ao fim da década de trinta do século XX, acolhia, quer os partidários regionalistas do Dr. Neves quer os seguidores e amigos dos “ ex-democratas” liderados pelo Dr. Manuel José da Silva. Como já aqui assinalei em artigo anterior, esses dois grupos, apesar da proclamada união, desenvolviam uma cerrada luta política, procurando ocupar os principais postos de governação contando, para isso, com o apoio dos governadores civis que, em vez de se manterem superiormente equidistantes a essas disputas pelo poder, se deixavam envolver nelas, permitindo e promovendo ações que se refletiam na vida pessoal e profissional dos respectivos protagonistas. 

O  professor Constantino Amaral Jr., inspector escolar e fundador, a 4 de dezembro de 1930, do jornal “Correio da Horta”, sendo chefe de redação no primeiro ano e ascendendo a diretor no seguinte, foi um dos homens que mais sofreu com as perseguições movidas pelo Dr. Augusto Pais de Almeida e Silva, governador do distrito da Horta de 1931 a 1933 e que, desde a primeira hora, entrou em choque com o Dr. Neves e seus principais correligionários, com imediatas e funestas consequências naquele periódico. Vários são os telegramas do governador ao ministro do Interior solicitando permissão para suspender aquele jornal o que aconteceu em três ocasiões. Os motivos por ele invocados relacionavam-se com notícias pretensamente distorcidas relativas a sindicâncias instauradas ao Guarda-mor de Saúde – que era, nem mais nem menos, o Dr. Manuel Francisco das Neves Júnior! – e por “incitar o público ao não cumprimento decreto desemprego desprestigiando funcionalismo finanças e levantando entraves execução cobrança imposto auxílio desempregados”. Ao mesmo tempo que pedia a suspensão do jornal, que classificava de “órgão da Maçonaria e do Partido Regional”, o governador requeria também “urgentes providências” para imediata demissão do comandante da Polícia e oficial censor tenente Gastão Melo Furtado. A isto e ao mais que aqui não se pode transcrever, replicava o diretor Constantino Amaral Jr., desmentindo o governador e reclamando do titular da pasta do Interior autorização para que o “Correio da Horta” voltasse a circular. Este excerto do seu ofício, de 23 de agosto de 1932, já depois de uma primeira suspensão, é um bom exemplo do que se passava: (…) “ S. Ex.ª [o governador] não desistindo dos seus propósitos, e agora depois do jornal ter sido autorizado pela Censura a circular, manda-o novamente suspender, o que consideramos um abuso de autoridade, e por cujas responsabilidades vamos requerer ação criminal no tribunal desta Comarca, tornando S. Ex.ª responsável por todas as perdas e danos sofridos e a sofrer. E são 16 empregados que ficam sem pão em virtude desta violência, contra um jornal cujo crime tem sido lutar em defesa da grande obra da Ditadura neste Distrito, onde os seus inimigos, de quem se rodeou o sr. Governador Civil juraram reduzi-lo ao silêncio. Só este facto explica tal procedimento e bem assim os cortes que o mesmo sr. Governador Civil impõe à Censura nos artigos em que, para prestígio da própria Obra da Gloriosa Ditadura Nacional, temos procurado publicar”. Todavia, estamos confiados, acrescentava o diretor Constantino Amaral Jr., “que V. Ex.ª com o seu alto e esclarecido critério se dignará ordenar telegraficamente o levantamento de tão injusta arbitrariedade, para prestígio da própria Ditadura no Distrito. E, assim, alentados com a força moral que nos dá um passado de sacrifícios em prol da Obra de Salvação Nacional iniciada em boa hora pelo movimento glorioso do 28 de maio de 1926, que desde o início vimos defendendo e apoiando, ousamos esperar que V. Exª única e urgentemente nos faça justiça”1 (…) Apesar da cedência do ministro, autorizando a publicação do “Correio da Horta” em finais de setembro, o governador Pais Almeida não desarmou e, em outubro conseguiu nova permissão ministerial para calar não só aquele jornal, mas também o “Jornal da Horta” e “O Eco Cedrense” que, entretanto, o haviam substituído temporariamente… Estas peripécias de pequena história ilustram bem como se digladiavam as duas correntes que existiam na desavinda União Nacional faialense, o que tinha consequências nefastas na vida familiar e profissional dos seus membros. Foi isso que aconteceu com o professor Constantino Magno do Amaral Jr., uma das vítimas do governador Pais Almeida, pelo que só a 27 de Abril de 1933 foi nomeado Inspector Escolar efectivo, quando a primeira magistratura distrital era já ocupada pelo Dr. José Malheiro Cardoso da Silva. 

A par da sua vida profissional, Cons-tantino Amaral Jr. desenvolveu então intensa atividade jornalística, política e artística tendo escrito três peças de teatro: “Quem dá aos pobres” (infantil em 1 ato), “Atribulações do Senhor Parreira” (também em 1 ato e destinada aos estudantes do Liceu) e “Deus os fez”, em 3 atos2 , para o grupo de teatro do Fayal Sport Club e que foi representada 17 vezes na Horta, Velas de São Jorge, Santa Cruz da Graciosa, Lajes do Pico e Angra, conseguindo alcançar, na competente opinião do actor e encenador Joaquim Viana, “um sucesso inigualável” e “à qual o jornalismo açoriano fez elogiosas referências”3. Ainda naquela década escreveu para as crianças da escola da Matriz da Horta três operetas com música sua: “No Recreio”, “Vindimando” e “Sol de Primavera” que foram representadas no Teatro Faialense. Com autorização ministerial publicou em 1935 um “Hino Escolar” que dedicou “às crianças da minha terra” e foi também o autor do “Hino Faialense”. Uma das suas mais famosas composições musicais foi a Missa que ensaiou, conjuntamente com alguns professores e que foi cantada, com acompanhamento de orquestra, na igreja Mãe do Faial no dia 1.º de Dezembro de 1940 nas comemorações do Duplo Centenário da fundação (1140) e da restauração (1640) de Portugal. Compilou ainda do folclore regional a rapsódia “Cantigas da nossa terra” que foi cantada pelo orfeão do Fayal Sport Club, de 120 figuras e a cinco vozes, sendo ele o regente. Nesta agremiação desportiva exerceu diversos cargos, nomeadamente presidente da Direção, da Assembleia Geral, do Conselho Fiscal e da comissão encarregada da construção do Estádio da Alagoa, muito contribuindo para a cedência do respectivo terreno pelo Estado, sendo ainda o impulsionador do projeto. 

Dotado de grande energia, desenvolvia intensa atividade nas diversas áreas em que se empenhava quando, aos 52 nos de idade, faleceu na Horta a 26 de março de 1947, sendo o seu enterro uma das maiores manifestações fúnebres realizadas no Faial.

O 1º Centenário do seu nascimento foi comemorado Horta, na Praia do Almoxarife e nos Cedros com diversas homenagens, a que se associaram, além dos conferencistas Padre Júlio da Rosa, Padre Dr. Rogério Gomes e José Bettencourt Brum, as principais instituições a que dedicou muito do seu tempo e do seu saber – “Amor da Pátria”, filarmónicas “Unânime Praiense” e “Lira Campesina Cedrense” e “Fayal Sport Club” – sendo colocadas lápides alusivas na casa onde nasceu, na escola da Praça dos Cedros e descerrada uma fotografia sua na sede-ginásio do Fayal Sport Club, dedicando-lhe o “Correio da Horta” uma extensa e excelente edição especial.

 

1   IAN/TT, Ministério do Interior, Gabinete do Ministro, maço 456,  pt. 2/2

2 Estas três peças foram editadas em 1994, por ocasião do 1.º centenário do seu nascimento

3  Correio da Horta, 17 Maio 1947

 

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